Patine urbana
Se eu fosse um edifício teria beirais de telhado onde se aninhasse um pássaro, paredes com azulejos verde-claro com simétricas flores brancas e uma porta com o número carcomido pelas nuvens que a olharam e nela terão batido; com uma ranhura em metal polido onde estava a esperança assim escrita: “cartas”. Uma varanda fronteira, onde caía o Sol que dava brilho às fissuras, essas rugas de envelhecer olhando a cidade. E tinha um gradeado rendilhado ao seu longo como já não se fabrica, pois já não há tempo para fazer o individual; com arabescos de artesão nas portadas das janelas, a tinta estalada em bonitos desenhos de idade. Se eu fosse um edifício eu gostava de ser um edifício amigável, o cinzento de prata da bonita meia-idade nas paredes que viam a rua viver.
Quem olhasse adivinhava uma cave onde estariam guardadas as plantas da sua criação e as cotas da sua genética, e entrever-se-iam águas-furtadas donde se avistavam montes e se serviam longos pôr-do-sol. E via uma chaminé a precisar de ser pintada, uma telha partida... é impossível abdicar de, se se fosse um edifício, ter uma telha partida que lave com o sol que se ri, e seca a chuva que caiu. Lá dentro adivinhar-se-iam cantos que são recantos, desenhados em mapas de tesouro e contados por avós pacientes com os netos de linhas uniformes, que crescem aqui e ali rua acima rua abaixo.
A história adivinhar-se-ia em azulejos rachados, na ternura da gravação dum coração e uma seta, quatro iniciais, uma data... tanto que há numa parede antiga e tão ilegível que é para quem não olhar, olhando-se olhando. As veias à vista dum edifício são indispensáveis para quem passa em frente, bata ou não bata à porta alta e em madeira, pequenas janelas gradeadas e de vitrais antigos. Por falar em frente: o passeio defronte, estreito e tornando os passantes íntimos com a frontaria, seria de seixos gastos pela idade e que brilhariam ao sóis das tardes. Não seria numa esquina pejada de sinais de trânsito porque o edifício que eu seria, se fosse edifício, não teria no seu telhado o néon assassino da sua existência, ou as linhas vampes de assinatura de época, em postais ilustrados que perturbam o sossego de olhar a rua e o viver. Os azulejos antigos e as cornijas em pedra velha seriam os seus sinais, únicos códigos legíveis e que se aprendem em olhares que sabem mais que só ler, sabem olhar.
Se eu fosse um edifício seria velho e amigável para quem passasse e me olhasse. Sem alarmes ou placas no portão a ameaçar com seres ferozes ou multas. E teria uma fachada ainda mais linda se nela houvesse candeeiros para iluminação do passeio, daqueles antigos e que nas noites de névoa fariam imaginar no meu passado mil e tantos passos à sua frente, épocas que o esmalte dos azulejos reflectiu quando brilhava após lavado pela chuva, esse húmus da rua. Se eu fosse um edifício, queria ser mais velho e mais bonito que o sou, humano, daqueles em que a sua existência na paisagem é tão naturalmente bela que nos sentimos pequeninos, olhando-os. A patine da beleza dumas linhas com vida vivida e uma história antiga e que será eterna: na sua ausência continuam a falar quando percorremos ruas onde o contraste de épocas asfixia as mais antigas, raramente em benefício de passeios onde, também, os seixos resistem com as fachadas ao permanente destruir de paisagem.
Quem olhasse adivinhava uma cave onde estariam guardadas as plantas da sua criação e as cotas da sua genética, e entrever-se-iam águas-furtadas donde se avistavam montes e se serviam longos pôr-do-sol. E via uma chaminé a precisar de ser pintada, uma telha partida... é impossível abdicar de, se se fosse um edifício, ter uma telha partida que lave com o sol que se ri, e seca a chuva que caiu. Lá dentro adivinhar-se-iam cantos que são recantos, desenhados em mapas de tesouro e contados por avós pacientes com os netos de linhas uniformes, que crescem aqui e ali rua acima rua abaixo.
A história adivinhar-se-ia em azulejos rachados, na ternura da gravação dum coração e uma seta, quatro iniciais, uma data... tanto que há numa parede antiga e tão ilegível que é para quem não olhar, olhando-se olhando. As veias à vista dum edifício são indispensáveis para quem passa em frente, bata ou não bata à porta alta e em madeira, pequenas janelas gradeadas e de vitrais antigos. Por falar em frente: o passeio defronte, estreito e tornando os passantes íntimos com a frontaria, seria de seixos gastos pela idade e que brilhariam ao sóis das tardes. Não seria numa esquina pejada de sinais de trânsito porque o edifício que eu seria, se fosse edifício, não teria no seu telhado o néon assassino da sua existência, ou as linhas vampes de assinatura de época, em postais ilustrados que perturbam o sossego de olhar a rua e o viver. Os azulejos antigos e as cornijas em pedra velha seriam os seus sinais, únicos códigos legíveis e que se aprendem em olhares que sabem mais que só ler, sabem olhar.
Se eu fosse um edifício seria velho e amigável para quem passasse e me olhasse. Sem alarmes ou placas no portão a ameaçar com seres ferozes ou multas. E teria uma fachada ainda mais linda se nela houvesse candeeiros para iluminação do passeio, daqueles antigos e que nas noites de névoa fariam imaginar no meu passado mil e tantos passos à sua frente, épocas que o esmalte dos azulejos reflectiu quando brilhava após lavado pela chuva, esse húmus da rua. Se eu fosse um edifício, queria ser mais velho e mais bonito que o sou, humano, daqueles em que a sua existência na paisagem é tão naturalmente bela que nos sentimos pequeninos, olhando-os. A patine da beleza dumas linhas com vida vivida e uma história antiga e que será eterna: na sua ausência continuam a falar quando percorremos ruas onde o contraste de épocas asfixia as mais antigas, raramente em benefício de passeios onde, também, os seixos resistem com as fachadas ao permanente destruir de paisagem.
4 Comments:
Admirável texto! se tu fosses Edifício eu gostaria de ser a árvore em frente que dá sombra a um banco de jardim onde se sentassem os velhos a descansar em tardes de verão...se tu fosses Edifício...
Belo texto literário, a Theo tem razão. "Se eu fosse edifício seria velho e amigável para quem passasse e me olhasse..." A tua composição tantas vezes me colhe de surpresa. Eu tenho te lido mais do que criticado... às vezes fico-me pela passagem e pelo gozo que algumas leituras me dão, e não critico ou deixo msgs porque detesto ser formal, ou melhor gosto mais de dizer o que penso com aquela abertura que já me conheces. E este texto cativou-me e vou passar a comentar, mesmo quando me "bates" na minha qualidade de crente... ahahahah
Um abraço, Ricky
Já fui vaidoso, hoje estou sereno: o que é é, e este texto está bonito embora merece um parágrafo final melhor trabalhado. Como todos os do blogue, são ensaios, de algum saíra uma frase a, um dia, aproveira interligando-oa com outra coisa. Neste há duas: a que o Ricky referiu e outra, a que da varanda onde "... se serviam longos pôr-do-sol". Estas duas estão bonitas, o resto ao seu lado é pechibeque bonitinho. Para mim-autor que sou o primeiro leitor, duro, duro mesmo, as duas frases, mais uns pormenores aqui e ali, é que tornam o texto bonito, ams ele não está uniforme. E com o último parágrafo mal amanhado, mas sou um preguiçoso do caraças e já estava aborrecido com tanto escopro e lima que lhe estava a dar.
A Th é comentadora de poltrona - creio mesmo que é quem mais aguenta a minha confusão com a utilização pelo autor do blogue das caixas de comentários - espero que já pública, e já ninguém pense que...) A verdade é que, elas como espaço de diálogo dos dois lados, ao princípio não me apercebi dessa utilização tão natural e ignorei-a. Depois, criou-se o hábito de que resulta a falta de à vontade com que aqui venho, sempre sem jeito. Como quando vou aos outros, agora vejo que o Ricky também é assim. Mas leio-as todas, e, estas como as vossas duas acima, espero que sintam o quanto as acarinho e assim, sempre, recordarei. Eu, afinal, ando cá para isto.... ser lido. Ler o que vocês escreveram... :-), e não digo mais nada!
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