Hollydays
Estou há três dias fechado no quarto. Ontem fui até à porta e, confesso-o, até saí para o passeio quando o sensor ‘sentiu-me’ e abriu-a, convidativamente. Um minuto, dois, três, pisei o passeio e voltei para o hotel, voltei para o quarto donde olho a cidade pela janela. Não a abro, fi-lo no dia da chegada e fechei-a para não a abrir mais, senti-me tonto com os odores que subiam as paredes, as copas das árvores, o cheiro da cidade que trepava e invadia o quarto, invadia-me a mim. Devo partir daqui a quatro dias se aguentar até lá. Sim, se aguentar pois poderá acabar o tabaco no bar do hotel, poderão acontecer mil imprevistos e eu ter de sair à rua, o hotel pegar fogo ou a janela abrir-se, e eu nunca mais voltar. Resisto, não abro a janela nem desço ao passeio mesmo que a porta se abra novamente e eu sinta o seu bafo, uma buzina me chame, o odor suba as paredes onde me escondo e me invada, me agarre e eu já não saia daqui, já passaram três mas ainda faltam quatro.
Cheguei e senti o perigo, a sedução. A minha vontade era saltar do táxi e correr atrás dele, feliz, como se voltasse a menino e isso fosse tão possível como o imaginava pela janela donde olhava, ele a sorrir-me, tentador, sedutor, pronto a fazer-me seu refém sem resgate reivindicado pois eu estou só no meu quarto, fora dele não existo e há uma máscara que me vigia, eu só fui um dois três minutos ao passeio defronte do hotel. Correr atrás do táxi como se dum machimbombo fosse e o bando o perseguisse, e tropeçasse, e caísse e se levantasse e corresse de novo, sempre atrás dele, do táxi que me trouxe no regresso e, com isto tudo, fechei-me no meu quarto no hotel, no bar há cigarros e no quarto há uma máscara com olhos brilhantes que me olham e há uma janela que abri e fechei, na geleira há garrafinhas às cores e eu vou bebendo as cores, os chocolates já os comi todos. Fico à janela a olhá-la, cidade, a adivinhar o seu odor e a lutar com a sua chamada, as pessoas como formigas que correm na avenida entre os carros que lhes buzinam, as árvores que as ocultam e o alcatrão que as descobre. Tudo é o odor e o bafo, senti logo que cheguei o perigo e resisto à sua sedução, não abro a janela e vou ao bar comprar cigarros, um e dois e três no passeio outra vez não. Fecho-me porque quero sair, quero voltar, só vim de férias e era uma promoção. Se abrir a janela e ele subir das paredes do prédio para dentro do meu quarto, onde estou eu e a máscara que me olha, ele agarre-me e eu já não volto, não era essa a promoção.
Na agência de viagens explicaram-me tudo, e tudo bate certo menos o cheiro da terra quente, não falaram nisso. O bafo que me bateu na cara ainda no aeroporto e que me perseguiu pela janela aberta do táxi, eu a correr atrás dele, sandálias trôpegas mas voadoras atrás do pára-choques branco do machimbombo vermelho. Ida e volta e sete dias em meia pensão, seiscentos e quarenta e nove euros. Estou a meio e quero cumprir, já lá vão três e faltam quatro, não abro a janela e não faço um dois três a não ser que acabem os cigarros no bar do hotel. Tive a ida e quero a volta, no meio os sete dias e seis noites de que já vão metade, e eu não saio do quarto, lá fora há buzinas mas só saio se me acabar o tabaco. Já lá vão três dias e faltam quatro, faço e refaço a conta, marco riscos imaginários nas paredes, já lá vão três dias e faltam quatro e daqui não saio, quarto, senão perco-me neste cheiro que sobe as paredes e persegue-me quando corro atrás do táxi, e já daqui não saio, cidade, um dois três minutos, todos os que me faltam até o relógio parar.
Deito-me de novo e olho as paredes, o tecto, a decoração usual de qualquer hotel; tento na sua banalidade esquecer a janela e o que dela vejo, antes a do táxi e agora a do hotel, meu quarto, estas paredes anónimas onde a máscara que serve de candeeiro é a nota típica que me vigia, esguia na sua madeira trabalhada em cortes simétricos, poderosos. Tem os olhos em chamas de luz que me olham de dia e noite, e eu julgo vê-los sorrir sadicamente quando vou à janela espreitar as formigas, o cheiro, as copas, a rua onde vivem os que estão agarrados ao bafo quente, sempiternas sandálias que correm atrás do pára-choques, caiem e levantam-se, caiem e levantam-se, ida e volta, já vim e já passou metade, sete dias e seis noites e vou voltar, não abro a janela e não deixo o bafo quente invadir-me, cidade.
Vou cumprir o meu contrato com a agência. Sete dias no quarto donde não saio a não ser que se acabe o tabaco. Antes a vinda depois a ida, seiscentos e quarenta e nove euros e paguei adiantado, não houve um cêntimo que me falasse no bafo quente na pele, de mim a correr atrás do táxi e do machimbombo, do calção e das sandálias. Daquela vez em que estive um dois três no passeio, abri ainda mais a camisa e o meu peito escanzelado, as costelas nítidas na pele tão branca, foi lambido pelo bafo e, confesso, vi a máscara sorrir quando pensei ir até ao carreiro das formigas, perder-me no seu meio, atravessar a rua e ouvir as buzinas, passear sob as copas e correr a cidade, as sandálias voadoras a viajarem ao tempo em que o bafo nascia e morria conforme eu acordava ou adormecia. Quando o odor da terra quente, da chuva na terra quente, não era estranho e a sua sedução era banal e não trepava as paredes até à janela fechada, os papéis vazios dos chocolates e as cores sumidas nas garrafinhas, a máscara sempre a olhar-me, a vigiar-me, a seduzir-me, os olhos em línguas brilhantes, ida e volta, o bafo quente que nenhum cêntimo pagou e que a agência não falou, faltam quatro dias e três noites e eu vou-me embora, não abro a janela, um dois três o regresso terminou e eu vou voltar, não abro a janela ao bafo quente que sobe às árvores e daí à janela, não agarro o pára-choques, adeus máscara, adeus cidade.
Cheguei e senti o perigo, a sedução. A minha vontade era saltar do táxi e correr atrás dele, feliz, como se voltasse a menino e isso fosse tão possível como o imaginava pela janela donde olhava, ele a sorrir-me, tentador, sedutor, pronto a fazer-me seu refém sem resgate reivindicado pois eu estou só no meu quarto, fora dele não existo e há uma máscara que me vigia, eu só fui um dois três minutos ao passeio defronte do hotel. Correr atrás do táxi como se dum machimbombo fosse e o bando o perseguisse, e tropeçasse, e caísse e se levantasse e corresse de novo, sempre atrás dele, do táxi que me trouxe no regresso e, com isto tudo, fechei-me no meu quarto no hotel, no bar há cigarros e no quarto há uma máscara com olhos brilhantes que me olham e há uma janela que abri e fechei, na geleira há garrafinhas às cores e eu vou bebendo as cores, os chocolates já os comi todos. Fico à janela a olhá-la, cidade, a adivinhar o seu odor e a lutar com a sua chamada, as pessoas como formigas que correm na avenida entre os carros que lhes buzinam, as árvores que as ocultam e o alcatrão que as descobre. Tudo é o odor e o bafo, senti logo que cheguei o perigo e resisto à sua sedução, não abro a janela e vou ao bar comprar cigarros, um e dois e três no passeio outra vez não. Fecho-me porque quero sair, quero voltar, só vim de férias e era uma promoção. Se abrir a janela e ele subir das paredes do prédio para dentro do meu quarto, onde estou eu e a máscara que me olha, ele agarre-me e eu já não volto, não era essa a promoção.
Na agência de viagens explicaram-me tudo, e tudo bate certo menos o cheiro da terra quente, não falaram nisso. O bafo que me bateu na cara ainda no aeroporto e que me perseguiu pela janela aberta do táxi, eu a correr atrás dele, sandálias trôpegas mas voadoras atrás do pára-choques branco do machimbombo vermelho. Ida e volta e sete dias em meia pensão, seiscentos e quarenta e nove euros. Estou a meio e quero cumprir, já lá vão três e faltam quatro, não abro a janela e não faço um dois três a não ser que acabem os cigarros no bar do hotel. Tive a ida e quero a volta, no meio os sete dias e seis noites de que já vão metade, e eu não saio do quarto, lá fora há buzinas mas só saio se me acabar o tabaco. Já lá vão três dias e faltam quatro, faço e refaço a conta, marco riscos imaginários nas paredes, já lá vão três dias e faltam quatro e daqui não saio, quarto, senão perco-me neste cheiro que sobe as paredes e persegue-me quando corro atrás do táxi, e já daqui não saio, cidade, um dois três minutos, todos os que me faltam até o relógio parar.
Deito-me de novo e olho as paredes, o tecto, a decoração usual de qualquer hotel; tento na sua banalidade esquecer a janela e o que dela vejo, antes a do táxi e agora a do hotel, meu quarto, estas paredes anónimas onde a máscara que serve de candeeiro é a nota típica que me vigia, esguia na sua madeira trabalhada em cortes simétricos, poderosos. Tem os olhos em chamas de luz que me olham de dia e noite, e eu julgo vê-los sorrir sadicamente quando vou à janela espreitar as formigas, o cheiro, as copas, a rua onde vivem os que estão agarrados ao bafo quente, sempiternas sandálias que correm atrás do pára-choques, caiem e levantam-se, caiem e levantam-se, ida e volta, já vim e já passou metade, sete dias e seis noites e vou voltar, não abro a janela e não deixo o bafo quente invadir-me, cidade.
Vou cumprir o meu contrato com a agência. Sete dias no quarto donde não saio a não ser que se acabe o tabaco. Antes a vinda depois a ida, seiscentos e quarenta e nove euros e paguei adiantado, não houve um cêntimo que me falasse no bafo quente na pele, de mim a correr atrás do táxi e do machimbombo, do calção e das sandálias. Daquela vez em que estive um dois três no passeio, abri ainda mais a camisa e o meu peito escanzelado, as costelas nítidas na pele tão branca, foi lambido pelo bafo e, confesso, vi a máscara sorrir quando pensei ir até ao carreiro das formigas, perder-me no seu meio, atravessar a rua e ouvir as buzinas, passear sob as copas e correr a cidade, as sandálias voadoras a viajarem ao tempo em que o bafo nascia e morria conforme eu acordava ou adormecia. Quando o odor da terra quente, da chuva na terra quente, não era estranho e a sua sedução era banal e não trepava as paredes até à janela fechada, os papéis vazios dos chocolates e as cores sumidas nas garrafinhas, a máscara sempre a olhar-me, a vigiar-me, a seduzir-me, os olhos em línguas brilhantes, ida e volta, o bafo quente que nenhum cêntimo pagou e que a agência não falou, faltam quatro dias e três noites e eu vou-me embora, não abro a janela, um dois três o regresso terminou e eu vou voltar, não abro a janela ao bafo quente que sobe às árvores e daí à janela, não agarro o pára-choques, adeus máscara, adeus cidade.
2 Comments:
Caramba, estou asfixiada, puseste-me no estado do tipo, oh grande autor! - beijo, uma que espera, bem, que tal não lhe venha a acontecer (porque é, sem dúvida, uma das reacções possíveis, we never know...),IO.
Quem encontrar a resposta que me diga...é que enquanto lia o post só me lembrava do filme de Roman Polanski "O Inquilino"...vai-se lá saber porquê! a mesma loucura??? são filmes e escritos assim que nos marcam para a vida inteira.
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