Sobre Cahora Bassa
Num Grupo MSN, o MOH - Moçambique Ontem e Hoje, o Zé Paulo colocou imagens de duas notícias de jornais moçambicanos sobre o recente acordo entre Portugal e Moçambique sobre a transmissão da propriedade da barragem de Cahora Bassa. A visão dos resultados pela imprensa do outro lado, sempre interessante de comparar com a nossa, pois um negócio tem sempre duas visões distintas, sabemo-lo: quem compra acha caro e quem vende acha barato.
Não consegui ler bem pois as imagens tinham saído diminuídas, mas sobre Cahora Bassa todos sabemos um pouco. Deixei a seguinte mensagem, que é a visão de quem não acompanhou além da rama mais visível o facto, mas sempre resmungando que "já há anos a mais que se fala nesta merda":
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"Perdoem-me por comentar sem ler ambas as notícias por completo, ainda vou fazer um copy e depois ampliar. Há uma coisa própria de cocuanas para a qual não há lentes que a resolvam.
Mas comento porque acho que não há quem, principalmente neste últimos dias mas também nos trinta anos anteriores, não tenha a informação suficiente sobre Cahora Bassa (ou Cabora Bassa, como a conheci quando ela passou a entrar nas conversas regulares) para, agora, não dar um suspiro de alívio ou fazer um esgar a esta solução, última, kaputt e mude-se de disco.
Um acordo económico que demora trinta anos a conseguir-se (pois não é só receber: quem paga tem de angariar os meios para isso, preferencialmente pela própria exploração) só podia ter um fim: o enterro com coveiro político. E, olhos nos olhos e fazendo contas reais e não ilusórias, celebrar um novo que seja exequível - e a curto prazo.
Sabe-se que a barragem até ao fim da guerra civil nunca trabalhou de forma eficiente. Sabe-se que tem um cliente enorme, que se tentou aproveitar do seu gigantismo e posição de quase monopólio como gerador de receitas, para impor preços que só aumentavam a ruína financeira existente, um vazio em que Portugal, maior accionista, esgotou recursos enormes para aligeirar o buraco. A África do Sul pagava um preço mínimo pelo fornecimento, e unilateralmente baixou-o para menos de metade. Sabiam que, ou era para eles, ou a barragem fechava de vez os geradores pois não havia consumidores suficientes para a sua produção mínima. Foi em 2002, e um nosso ministro da altura, que como representante do maior accionista - Estado português - encabeçava o conselho superior da empresa mista que faz a gestão - ordenou que se carregasse no botão e 'cortou-se a luz' ao mau cliente, abusador e mau pagante, prepotente e malicioso. O acordo foi rápido, e o preço ainda subiu um pouco para cima do triplo do anterior, antes da leonina decisão da AdS de fazer saldos na casa dos outros. Dois anos depois Cahora Bassa apresentou pela primeira vez na sua história lucros de exploração. Hoje, mais um ano cumprido, vê o seu contencioso oficialmente enterrado.
Havia o passivo acumulado, e o maior accionista - que também é o único credor - pretende vender pois o país-investidor está carente de fundos, e ele, Estado, não pode de ter no momento prioridades estratégicas de investimento para além das fronteiras onde, nesta altura, os seus investimentos públicos são postos em causa em voz alta: o TGV e o aeroporto da Ota (julgo que a 3ª travessia do Tejo não avançará até um destes dois monstros estar quase pronto). Portugal quer vender, precisa de dinheiro e de esquecer este pesadelo económico de quatro décadas que se chama Cahora Bassa.
O comprador natural é o Estado moçambicano. Por uma questão de identidade também. Aquela barragem é mais que uma obra de engenharia invulgar, o seu nome tem mais peso que os números que gera; sabemo-lo. O comprador alternativo seria o 'tal' principal cliente. Que é vizinho e poderoso, e aqui (sem eu saber ao certo se houve e qual foi a sua oferta pré-negocial), aqui tem de falar a política: é para isso que ela serve, para assumir decisões em que os números são só uma das partes envolvidas, não a única. Moçambique é, nesta leitura, o único verdadeiro cliente para a venda.
Há um acordo feito, que pelo que percebi tem dois anos para terminar. A exploração da barragem é hoje positiva, livre deste ónus que nunca veria fim pois o devedor nunca teria meios de pagar ao credor. Dá lucro, gera receitas suficientes para ser um tremendo impulso financeiro num orçamento estatal que será assustadoramente minúsculo - imaginando-o pelo tamanho do nosso e das dores de cabeça que ele nos dá. Por cá, e nestes anos de reiterado aviso de esforço colectivo, com ataques a direitos sociais que eram impensáveis há poucos anos atrás, e uma cassete que ninguém desliga, soando constantemente, avisando que a crise é para manter mais uns tempos, por cá esse dinheiro fresco será recebido de mãos abertas para meter carris high tech e cimentar pistas de aviação. Acho que foi um bom acordo para todos os embrulhados nesta história.
Que não seja novamente a AdS a ser a má da dita, é o que também desejo. Se é verdade que se pode queixar das constantes quebras de fornecimento na altura da guerra civil, também o que sempre pagou mal e tarde, abusou da sua condição de 'único' cliente e, já na parte final da saga Cahora Bassa, até tentou um putch interno cujo objectivo final sempre ficou no ar a dúvida sobre qual seria. Talvez se recorde, porém, de que nem sempre o prevaricador fica a ganhar.
Há ciclos na História a que assistimos ao seu nascimento e morte. A barragem de Cabora Bassa/Cahora Bassa tem peso em tantas leituras, política, económica, social, militar, que tem lugar na história dos dois países. Nós estamos a viver História, e para além disso, realisticamente, não foi um acordo nada mau para Moçambique e para Portugal"
Mas comento porque acho que não há quem, principalmente neste últimos dias mas também nos trinta anos anteriores, não tenha a informação suficiente sobre Cahora Bassa (ou Cabora Bassa, como a conheci quando ela passou a entrar nas conversas regulares) para, agora, não dar um suspiro de alívio ou fazer um esgar a esta solução, última, kaputt e mude-se de disco.
Um acordo económico que demora trinta anos a conseguir-se (pois não é só receber: quem paga tem de angariar os meios para isso, preferencialmente pela própria exploração) só podia ter um fim: o enterro com coveiro político. E, olhos nos olhos e fazendo contas reais e não ilusórias, celebrar um novo que seja exequível - e a curto prazo.
Sabe-se que a barragem até ao fim da guerra civil nunca trabalhou de forma eficiente. Sabe-se que tem um cliente enorme, que se tentou aproveitar do seu gigantismo e posição de quase monopólio como gerador de receitas, para impor preços que só aumentavam a ruína financeira existente, um vazio em que Portugal, maior accionista, esgotou recursos enormes para aligeirar o buraco. A África do Sul pagava um preço mínimo pelo fornecimento, e unilateralmente baixou-o para menos de metade. Sabiam que, ou era para eles, ou a barragem fechava de vez os geradores pois não havia consumidores suficientes para a sua produção mínima. Foi em 2002, e um nosso ministro da altura, que como representante do maior accionista - Estado português - encabeçava o conselho superior da empresa mista que faz a gestão - ordenou que se carregasse no botão e 'cortou-se a luz' ao mau cliente, abusador e mau pagante, prepotente e malicioso. O acordo foi rápido, e o preço ainda subiu um pouco para cima do triplo do anterior, antes da leonina decisão da AdS de fazer saldos na casa dos outros. Dois anos depois Cahora Bassa apresentou pela primeira vez na sua história lucros de exploração. Hoje, mais um ano cumprido, vê o seu contencioso oficialmente enterrado.
Havia o passivo acumulado, e o maior accionista - que também é o único credor - pretende vender pois o país-investidor está carente de fundos, e ele, Estado, não pode de ter no momento prioridades estratégicas de investimento para além das fronteiras onde, nesta altura, os seus investimentos públicos são postos em causa em voz alta: o TGV e o aeroporto da Ota (julgo que a 3ª travessia do Tejo não avançará até um destes dois monstros estar quase pronto). Portugal quer vender, precisa de dinheiro e de esquecer este pesadelo económico de quatro décadas que se chama Cahora Bassa.
O comprador natural é o Estado moçambicano. Por uma questão de identidade também. Aquela barragem é mais que uma obra de engenharia invulgar, o seu nome tem mais peso que os números que gera; sabemo-lo. O comprador alternativo seria o 'tal' principal cliente. Que é vizinho e poderoso, e aqui (sem eu saber ao certo se houve e qual foi a sua oferta pré-negocial), aqui tem de falar a política: é para isso que ela serve, para assumir decisões em que os números são só uma das partes envolvidas, não a única. Moçambique é, nesta leitura, o único verdadeiro cliente para a venda.
Há um acordo feito, que pelo que percebi tem dois anos para terminar. A exploração da barragem é hoje positiva, livre deste ónus que nunca veria fim pois o devedor nunca teria meios de pagar ao credor. Dá lucro, gera receitas suficientes para ser um tremendo impulso financeiro num orçamento estatal que será assustadoramente minúsculo - imaginando-o pelo tamanho do nosso e das dores de cabeça que ele nos dá. Por cá, e nestes anos de reiterado aviso de esforço colectivo, com ataques a direitos sociais que eram impensáveis há poucos anos atrás, e uma cassete que ninguém desliga, soando constantemente, avisando que a crise é para manter mais uns tempos, por cá esse dinheiro fresco será recebido de mãos abertas para meter carris high tech e cimentar pistas de aviação. Acho que foi um bom acordo para todos os embrulhados nesta história.
Que não seja novamente a AdS a ser a má da dita, é o que também desejo. Se é verdade que se pode queixar das constantes quebras de fornecimento na altura da guerra civil, também o que sempre pagou mal e tarde, abusou da sua condição de 'único' cliente e, já na parte final da saga Cahora Bassa, até tentou um putch interno cujo objectivo final sempre ficou no ar a dúvida sobre qual seria. Talvez se recorde, porém, de que nem sempre o prevaricador fica a ganhar.
Há ciclos na História a que assistimos ao seu nascimento e morte. A barragem de Cabora Bassa/Cahora Bassa tem peso em tantas leituras, política, económica, social, militar, que tem lugar na história dos dois países. Nós estamos a viver História, e para além disso, realisticamente, não foi um acordo nada mau para Moçambique e para Portugal"
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