O jogo do "Quem é Quem"
À entrada três bandeiras, cumpra-se o protocolo. Todo o hall brilha nos fatos, nos olhos que brilham procurando quem é quem, detendo-se na curiosidade, no avaliar o peso intrínseco de cada cara, o seu peso na complexa teia dos conhecimentos, esse sobreviver duro para quem só sobrevive porque é conhecido. O poder, o cheiro do poder. Há mais de uma hora que se espera e conversa-se, circula-se, tempo que faz parte do jogo nestes bastidores da diáspora, tão longe do sacro Poder que neste hall brilhante em demasia crê suprir as distâncias e sentir-lhe o cheiro do sovaco por baixo dos casacos brilhantes.
Lá dentro, na sala de conferências já apinhada sentam-se os pacientes, aqueles que já tudo conversaram ou nada têm para conversar, já foram vistos ou nem por isso, ninguém os vê ou talvez sim. Se aqui há Povo, esse está lá, sentado, paciente, há mais duma hora à espera sem fazer o abaixo e acima dos corredores, sem colar-se ao brilho do hall onde as Rosas esperam, os olhos esperam, a ambição e a vaidade esperam. A cobiça, a gula de sentir o cheiro do Poder. De vez em quando lembro-me que estou num hotel e os olhos procuram um recanto onde haja um espaço Internet. Tem-no certamente, é um hotel. A evasão. Caminham outra vez para a porta, é um frenesim que se repete uma e outra vez. “já vem aí”, “desculpa mas eu tenho de ir e...”, e os olhos brilham de gozo pelo beija-mão prometido, o retrato, as dragonas sociais acrescidas. Estão lá as três bandeiras, mesmo à minha frente. São minhas, as três? Eu, sentado, estranho nesta azáfama estranha, eu sou delas, três? Interrogo-me. Talvez, talvez. Não sou deste hall, serei mais dum recanto que descubra onde me esconda e navegue, onde escreva o que vejo e que vi, mais do que deste hall, ponho em dúvida tanta bandeira. Três são muitas, e eu estou só.
Falso alarme. A moça das Rosas voltou para trás, ainda não é desta que as conversas se silenciam, que param as trocas de cartões, os sorrisos de plástico, os olhos vorazes no quem é quem, que vales tu, quem tu conheces. Eu? Já apertei uma meia dúzia de mãos, já troquei palavras simpáticas com menos, já me sentei no meu canto há mais tempo que isso tudo – procurei-o mal entrei, agora procuro e penso é num espaço de fuga, um espaço Internet que me tire destes olhos que brilham tanto que me incomodam. A poetisa tem um ar indignado e diz-me que a mandaram lá estar às três e já são cinco. Mas resiste. Resiste, claro. A florista deu-me um beijo mas sempre de olho na porta, “ele vem aí”. Mãos rápidas no apertarem-se, e só um abraço. Bem-vindo, soube-me bem. Fala-se, fala-se, um zum-zum sem fim, “olá, tu por aqui?”; “olha o Gil! Ainda bem que vieste!”, etc, etc, fugi para o meu canto assim que pude. Atrás das bandeiras pois ninguém olha para elas, acho que só eu e a moça da recepção que veio à pouco dar-lhes um jeito, endireitá-las, pois “ele deve estar a chegar” e naquela confusão os olhos não as vêem e às vezes chocam com elas, desalinhando-as da sua dignidade protocolar. Vi o Adão, o Lívio, o Salito, o Jorge, o Renato, a Olga, o Eneias, a Elsa, o Rafael, o Omar, o Hélder, o doutor isto mais o doutor aquilo, mais um monte de caras de que nunca fixei nome. Mãos. Mãos e olhos. Rosas. Bandeiras. E eu ali, escrevendo mas à procura da Internet.
Mudei de sítio. Já se formou a fila para a praxe, o beija-mão da praxe protocolar. Daqui vejo-escrevo melhor. Se calhar amanhã algum lê isto, as conversas nascem assim, e nunca mais me convidam. Sei lá. Daqui vejo melhor. Vejo o nervosismo que acomete a fila, os olhares para o lado, todos comparando lugares, os olhos a sorrirem, avaliadores mas a sorrirem. Afinal estão na fila, a fila antes das três bandeiras. Os olhares gulosos em volta, quem é quem e o que vales.
Daí a pouco vim-me embora, quando as Rosas foram entregues e a fila correu para os lugares marcados na grande sala de conferências, tudo primeiras filas que ficam bem nos retratos. O hall esvaziou e eu fiquei só com as três bandeiras, tanta bandeira e eu a olhar para elas. Tanta bandeira e eu sem saber qual é qual, quem é quem, quem sou eu, afinal. Vim-me embora e ninguém deverá ter reparado. Deixei lá as três bandeiras, solitárias findo o jogo do “quem é quem”. Não trouxe nenhuma comigo, vim-me simplesmente embora.
Lá dentro, na sala de conferências já apinhada sentam-se os pacientes, aqueles que já tudo conversaram ou nada têm para conversar, já foram vistos ou nem por isso, ninguém os vê ou talvez sim. Se aqui há Povo, esse está lá, sentado, paciente, há mais duma hora à espera sem fazer o abaixo e acima dos corredores, sem colar-se ao brilho do hall onde as Rosas esperam, os olhos esperam, a ambição e a vaidade esperam. A cobiça, a gula de sentir o cheiro do Poder. De vez em quando lembro-me que estou num hotel e os olhos procuram um recanto onde haja um espaço Internet. Tem-no certamente, é um hotel. A evasão. Caminham outra vez para a porta, é um frenesim que se repete uma e outra vez. “já vem aí”, “desculpa mas eu tenho de ir e...”, e os olhos brilham de gozo pelo beija-mão prometido, o retrato, as dragonas sociais acrescidas. Estão lá as três bandeiras, mesmo à minha frente. São minhas, as três? Eu, sentado, estranho nesta azáfama estranha, eu sou delas, três? Interrogo-me. Talvez, talvez. Não sou deste hall, serei mais dum recanto que descubra onde me esconda e navegue, onde escreva o que vejo e que vi, mais do que deste hall, ponho em dúvida tanta bandeira. Três são muitas, e eu estou só.
Falso alarme. A moça das Rosas voltou para trás, ainda não é desta que as conversas se silenciam, que param as trocas de cartões, os sorrisos de plástico, os olhos vorazes no quem é quem, que vales tu, quem tu conheces. Eu? Já apertei uma meia dúzia de mãos, já troquei palavras simpáticas com menos, já me sentei no meu canto há mais tempo que isso tudo – procurei-o mal entrei, agora procuro e penso é num espaço de fuga, um espaço Internet que me tire destes olhos que brilham tanto que me incomodam. A poetisa tem um ar indignado e diz-me que a mandaram lá estar às três e já são cinco. Mas resiste. Resiste, claro. A florista deu-me um beijo mas sempre de olho na porta, “ele vem aí”. Mãos rápidas no apertarem-se, e só um abraço. Bem-vindo, soube-me bem. Fala-se, fala-se, um zum-zum sem fim, “olá, tu por aqui?”; “olha o Gil! Ainda bem que vieste!”, etc, etc, fugi para o meu canto assim que pude. Atrás das bandeiras pois ninguém olha para elas, acho que só eu e a moça da recepção que veio à pouco dar-lhes um jeito, endireitá-las, pois “ele deve estar a chegar” e naquela confusão os olhos não as vêem e às vezes chocam com elas, desalinhando-as da sua dignidade protocolar. Vi o Adão, o Lívio, o Salito, o Jorge, o Renato, a Olga, o Eneias, a Elsa, o Rafael, o Omar, o Hélder, o doutor isto mais o doutor aquilo, mais um monte de caras de que nunca fixei nome. Mãos. Mãos e olhos. Rosas. Bandeiras. E eu ali, escrevendo mas à procura da Internet.
Mudei de sítio. Já se formou a fila para a praxe, o beija-mão da praxe protocolar. Daqui vejo-escrevo melhor. Se calhar amanhã algum lê isto, as conversas nascem assim, e nunca mais me convidam. Sei lá. Daqui vejo melhor. Vejo o nervosismo que acomete a fila, os olhares para o lado, todos comparando lugares, os olhos a sorrirem, avaliadores mas a sorrirem. Afinal estão na fila, a fila antes das três bandeiras. Os olhares gulosos em volta, quem é quem e o que vales.
Daí a pouco vim-me embora, quando as Rosas foram entregues e a fila correu para os lugares marcados na grande sala de conferências, tudo primeiras filas que ficam bem nos retratos. O hall esvaziou e eu fiquei só com as três bandeiras, tanta bandeira e eu a olhar para elas. Tanta bandeira e eu sem saber qual é qual, quem é quem, quem sou eu, afinal. Vim-me embora e ninguém deverá ter reparado. Deixei lá as três bandeiras, solitárias findo o jogo do “quem é quem”. Não trouxe nenhuma comigo, vim-me simplesmente embora.
3 Comments:
Magnífico retrato! bjito - C
Ao contrario do que se usa agora, eu continuo 'demodée', nada quero com estas koisas institucionais - beijo, muf'.
Passei pra te deixar uma boa tarde... e felicitar-te por este magnifico texto.
Abraço Vagabundo
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