Xicuembo (versão 3.0)

memórias & resmungos do Carlos Gil

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terça-feira, novembro 01, 2005

Posts secretos

Pela quantidade de posts que conservo secretos, escritos naquela tinta oculta que se confia ser só legível pela mão que os traçou, calculo as gavetas dos outros. Por isso leio-vos até final, vírgula a vírgula, até os silêncios ou as digressões fúteis sobre a morte da bezerra, que me dizem que está outro post a ser escrito nesse momento, deslizando a folha até um dia.

Não, não somos assim tão diferentes. Esta paixão por um ecrã, este falar sozinho que é escrever, este desesperanço solitário que é correr porta a porta, lendo, lendo, lendo letras e lendo silêncios, desabafos e tontarias, correndo, sempre correndo, faz-nos urbe semelhante, irmana-nos e entriba-nos. Nós lemo-nos uns aos outros incluindo os posts secretos, pois a tinta escondida que aí usamos é toda da mesma patente: choramo-la. Não leiam neste um ‘secreto’ que se enganou no tinteiro. Leiam a confirmação de que vos leio. Sempre. Sempre, porque nisso reside a minha esperança de que me leiam, os meus posts de segredos, os meus silêncios escondidos.

Lembram-se quando éramos putos e íamos rua abaixo olhando janelas e assobiando-lhes, desejosos que alguma se abrisse e houvesse compincha, houvesse companhia? não o vejo como diferente deste clic-clic contínuo, este rua abaixo rua acima que também é em busca de companhia. No final sentávamo-nos num muro e oscilávamos ociosamente as pernas, atiravam-se pedras às lagartixas e olhavam-se as árvores e o movimento, tantos e tão ninguém, tanto silêncio no verde das folhas que já então nos abanavam os seus segredos no seu ciciar ao vento. Pensava-se nas possíveis razões dos silêncios ao nosso secreto assobiar. E voltávamos para trás, para o nosso passeio a nossa casa, para o nosso blogue juvenil compondo em silêncio os primeiros posts secretos, estrada interminável que depois se corporizará na blogosfera – li hoje que é palavra feia e assino; mas ainda não me lembrei duma substituta bonita.

Blogar é primeiro de tudo escrever. Como necessidade, vício, exibição ou apenas moda passageira. Depois há o ler, e de tanto ler é que nos nascem os posts secretos. Por comunhão. Lê-se tanto nos ditos adivinhados - mais no desmaiado do desânimo pois as euforias gritam-se em telas onde a cor refulge além das letras, que eu, confesso escritor de posts secretos, corredor de fundo da minha rua e temível exterminador de lagartixas, revelo em primeiríssima mão que nem que chova fogo ou o Belenenses seja este ano campeão, me esconjuro deste rua abaixo rua acima.

Passo horas, a minha vida presente, a olhar para o ecrã, lendo-me e lendo-vos. A vida nas minhas costas parou e, quando mexe, incomoda-me e silencio-a. Não me assobiem que não a abro. Não me gritem que não ouço. Leio. Fico-me. Clic-clic, clic-clic. Ouço o tal ciciar das folhas, murmúrios de segredos, seiva de meu blogue. Um dia acordarei como a personagem de Kafka que fê-lo transformado num insecto gigante, eu em versão monitor-teclado-cpu, o rato na mesa-de-cabeceira ao lado do maço de cigarros. E clic-clic, e clic-clic.

Voltarei na quarta-feira com uma baboseira qualquer. Não que este; este é (era para) da gaveta.

3 Comments:

Blogger Helena said...

E...click. Excelente post, Carlos. Fiquei comovida...
Bjo *

terça-feira, novembro 01, 2005 10:14:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

eu gostei! - ouve lá, já viste no sapo que o Guebuza não quis o jantar com o Manel A.? - e lamenta-se o MA que são amigos há 40 anos... não se faz!, que tudo tenha corrido bem contigo, beijo, muf'.

terça-feira, novembro 01, 2005 11:19:00 da tarde  
Blogger th said...

Hoje é quarta feira...e atão?
Eu quero post!
eu quero post!
eu quero post!

quarta-feira, novembro 02, 2005 11:45:00 da tarde  

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