Ida ao sapateiro
Tenho de concordar com a maioria das opiniões que soam sobre o descrédito em que caiu o sistema político. Não sou cego nem alienado, reconhecer que as queixas são legítimas é somente o óbvio.
Um parlamento que vive a olhar para ordens de serviço ou para o seu umbigo, e cá fora ‘ninguém’ olha para ele sem ser de lado;
Um governo que se olha com desconfiança, legitimada vezes excessivas e com ciclo permanente;
Uma presidência que ata mais do que desata, indecisa entre os discursos e as visitas protocolares, e a acção política que não pise calos governamentais, partidários;
Partidos políticos desacreditados para além dos seus clubes de fãs, em todos minoritários e até ridículos quando insistem em loar ao sinal dos chefes;
As autarquias, o poder autárquico que deveria ser o mais genuíno e melhor legitimado pela proximidade entre eleitos e eleitores, também é há tempo demais pasto de cumplicidades, arranjinhos, mais ano menos ano os escândalos batem a todas as portas.
Refiro-me ao naipe actual mas também aos predecessores, pois da má prática acumulada e sem férias resultou o descrédito no eleitor, perigosamente eternizado após cada nova (des)ilusão eleitoral. Pergunte-se na rua, no café, no trabalho, e as respostas pouco mudam ao ‘estou farto’ e ao ‘já não acredito’.
E não se vê hipótese séria de mudança no futuro eleitoral que se avizinha. Este modelo parlamentar, por erros próprios, descredibilizou-se perigosamente e qualquer que seja a sua composição com o baralho de cartas em vigor já não ‘vai lá’. Ninguém acredita mais do que o que é politicamente correcto acreditar, vota-se por fidelidade ideológica ao que cada vez mais não é que um sonho. Fazemos cruzes, escolhas, sabendo intimamente que a nossa ressaca também é certa e vem logo a seguir.
Para não se tornar uma crise de regime há que reconhecer que há uma do sistema. E antes que alguém o declare radicalmente finito e avance com soluções individuais, messiânicas, urge agir. Por dentro, sem revoluções e espadeiradas, sem mais opróbrio sobre os bens intencionados mas sem mais tolerância com aqueles que destruíram a fé, de eleição em eleição, de desilusão em desilusão.
Entendo que há que reduzir o peso activo dos partidos políticos. Desmereceram por erros próprios – ia escrever incúria, mas acredito que haja e tenha havido incompetentes bem intencionados e por isso não o faço – e a raiz do descrédito popular aponta sempre na sua direcção. Sabemos que, nisto, a vox populis não está enganada. Os partidos políticos puseram-se a jeito para deles se dizer as cobras e lagartos que se dizem. Todos, sem excepção. As suas direcções mostraram-se incompetentes para os gerir internamente, mostrando depois mau espelho quando eleitos.
E não são casos isolados: no ‘A’ a crise de competências sucede-se sem esperança de inversão, idem no ‘B’, no ‘C’, no alfabeto não há letra que sujeita à prova de governação, passe com mera mácula de pormenor pois todos chumbam e chumbaram em eficiência global. E nem os que da coisa pública estão ausentes podem reclamar excepção, pois por alguma razão de fundo nunca recolhem vontades significativamente maioritárias. Descrédito popular, nuns o instintivo que lhe recusa a cruz, noutros o trauma pós parto parlamentar.
Há uma desilusão popular com o sistema que roça a desilusão com a democracia. Ora isso é perigoso. À esquerda e à direita, nos cantos e nas copas das árvores, suspira-se por sebastianismos e fala-se de capatazes sem cuidar dos perigos que estes providencialismos trazem. Esta é a verdadeira ameaça, que os sessenta e tal por cento que ainda votam não tenham pejo em esquecê-lo se aos ouvidos lhes chegar o apelo errado embrulhado em celofane com bonecada de Messias.
Farto da desilusão partidária, o povo votante poderá ser levado a acreditar num Único que lhe cante músicas e amores, entrecruzado com promessas de rigor e eficiência exemplares. Aparentemente nada que divirja do reclamado ao espectro partidário, mas ameaçador quando desligado da matriz democrática que são as correntes de opinião e os conceitos de sociedade organizados partidariamente, em parlamento.
Ora, a Constituição é manifestamente parlamentar, e é desse modelo que nos queixamos se se filtrarem os lamentos. Qual a minha ideia, afinal?
Que o governo seja de matriz semi-presidencial, que a exemplo de tantas outras democracias o Presidente tenha função activas de governação em determinadas áreas. Hoje e com a caída das siglas no amargo anedotório, há, como atrás explicado, forte tendência para se acreditar numa mensagem individual mais que numa colectiva, partidária, esta afogando-se nas vagas suspeitas do jogo dos clãs internos. A oscilação do decisivo voto do centro é disso exemplo recorrente.
Porém resta a ameaça sebastiânica. Daí o semi, o manter da estrutura orgânica democrática com os partidos na sua génese, sendo as maiorias parlamentares formadas também em função das escolhas presidenciais, e com reflexo prático na praxis governativa. Um Homem que foi eleito directamente tem, se quiser, a independência suficiente para agir sem cuidar dos interesses das siglas. E, caso caia em tentações solitárias, o semi tem força para o chamar à realidade, travá-lo se for o caso.
Transposto para a realidade que nos bate à porta, i.e. as já tão próximas eleições presidenciais, clamarão vozes assustadas que perante a ementa que se alinha será perigoso reforçar poderes a quem for eleito. Discordo. Seja eleito qual deles for não vejo nem receio que a democracia esteja em perigo.
Cavaco teve tiques desagradavelmente autoritários e acabou por se dar mal com eles. Mas, nem então, se poderá dizer com razão que desrespeitou a democracia. E terá aprendido, todos aprendemos com os erros cometidos.
Soares corre para o Olimpo, indeciso se já lá tem lugar guardado ou não. Pensamento esquisito mas não preocupante. Pelo seu passado sabemos que há riscos que ele nem pisa nem deixa pisar.
Assim se a ‘direita’ ganhar a presidência não está a democracia em perigo. Porque, no modelo aventado, o presidencialismo com acção governativa terá de conviver com o outro lado do semi, o governo de Sócrates que provém do voto centro-esquerda.
Caso ganhe a ‘esquerda’ a presidência também não há riscos de abuso democrático, pois por certo o que separa Sócrates de Soares é mais e mais profundo do que o que o separa de Cavaco; no mínimo é equidistante.
Não se dramatizem as derrotas, isto não é futebol.
Se o sistema não mudar os seus defeitos continuarão, haja as mudanças que houver nos actores. Se os sapatos apertam temos de ir ao sapateiro comprar novos, sob pena de ficarmos coxos e em última instância não podermos andar a não ser descalços.
Estas eleições presidenciais, sujeito o seu resultado e acção ao sistema vigente, não aquecerão nem arrefecerão nada para além das vitórias de café, do somar de marcas na coronha que tantas e tantas vezes rapidamente se tornam desconfortáveis.
Até porque, concordando contristado com um certo colunista que faz do fel a sua razão de viver e escreve-o para acinzentar as manhãs, estou em crer que as contas para uma segunda volta são a própria razão de ela, muito provavelmente, não vir a ser necessária para havermos presidente.
Um parlamento que vive a olhar para ordens de serviço ou para o seu umbigo, e cá fora ‘ninguém’ olha para ele sem ser de lado;
Um governo que se olha com desconfiança, legitimada vezes excessivas e com ciclo permanente;
Uma presidência que ata mais do que desata, indecisa entre os discursos e as visitas protocolares, e a acção política que não pise calos governamentais, partidários;
Partidos políticos desacreditados para além dos seus clubes de fãs, em todos minoritários e até ridículos quando insistem em loar ao sinal dos chefes;
As autarquias, o poder autárquico que deveria ser o mais genuíno e melhor legitimado pela proximidade entre eleitos e eleitores, também é há tempo demais pasto de cumplicidades, arranjinhos, mais ano menos ano os escândalos batem a todas as portas.
Refiro-me ao naipe actual mas também aos predecessores, pois da má prática acumulada e sem férias resultou o descrédito no eleitor, perigosamente eternizado após cada nova (des)ilusão eleitoral. Pergunte-se na rua, no café, no trabalho, e as respostas pouco mudam ao ‘estou farto’ e ao ‘já não acredito’.
E não se vê hipótese séria de mudança no futuro eleitoral que se avizinha. Este modelo parlamentar, por erros próprios, descredibilizou-se perigosamente e qualquer que seja a sua composição com o baralho de cartas em vigor já não ‘vai lá’. Ninguém acredita mais do que o que é politicamente correcto acreditar, vota-se por fidelidade ideológica ao que cada vez mais não é que um sonho. Fazemos cruzes, escolhas, sabendo intimamente que a nossa ressaca também é certa e vem logo a seguir.
Para não se tornar uma crise de regime há que reconhecer que há uma do sistema. E antes que alguém o declare radicalmente finito e avance com soluções individuais, messiânicas, urge agir. Por dentro, sem revoluções e espadeiradas, sem mais opróbrio sobre os bens intencionados mas sem mais tolerância com aqueles que destruíram a fé, de eleição em eleição, de desilusão em desilusão.
Entendo que há que reduzir o peso activo dos partidos políticos. Desmereceram por erros próprios – ia escrever incúria, mas acredito que haja e tenha havido incompetentes bem intencionados e por isso não o faço – e a raiz do descrédito popular aponta sempre na sua direcção. Sabemos que, nisto, a vox populis não está enganada. Os partidos políticos puseram-se a jeito para deles se dizer as cobras e lagartos que se dizem. Todos, sem excepção. As suas direcções mostraram-se incompetentes para os gerir internamente, mostrando depois mau espelho quando eleitos.
E não são casos isolados: no ‘A’ a crise de competências sucede-se sem esperança de inversão, idem no ‘B’, no ‘C’, no alfabeto não há letra que sujeita à prova de governação, passe com mera mácula de pormenor pois todos chumbam e chumbaram em eficiência global. E nem os que da coisa pública estão ausentes podem reclamar excepção, pois por alguma razão de fundo nunca recolhem vontades significativamente maioritárias. Descrédito popular, nuns o instintivo que lhe recusa a cruz, noutros o trauma pós parto parlamentar.
Há uma desilusão popular com o sistema que roça a desilusão com a democracia. Ora isso é perigoso. À esquerda e à direita, nos cantos e nas copas das árvores, suspira-se por sebastianismos e fala-se de capatazes sem cuidar dos perigos que estes providencialismos trazem. Esta é a verdadeira ameaça, que os sessenta e tal por cento que ainda votam não tenham pejo em esquecê-lo se aos ouvidos lhes chegar o apelo errado embrulhado em celofane com bonecada de Messias.
Farto da desilusão partidária, o povo votante poderá ser levado a acreditar num Único que lhe cante músicas e amores, entrecruzado com promessas de rigor e eficiência exemplares. Aparentemente nada que divirja do reclamado ao espectro partidário, mas ameaçador quando desligado da matriz democrática que são as correntes de opinião e os conceitos de sociedade organizados partidariamente, em parlamento.
Ora, a Constituição é manifestamente parlamentar, e é desse modelo que nos queixamos se se filtrarem os lamentos. Qual a minha ideia, afinal?
Que o governo seja de matriz semi-presidencial, que a exemplo de tantas outras democracias o Presidente tenha função activas de governação em determinadas áreas. Hoje e com a caída das siglas no amargo anedotório, há, como atrás explicado, forte tendência para se acreditar numa mensagem individual mais que numa colectiva, partidária, esta afogando-se nas vagas suspeitas do jogo dos clãs internos. A oscilação do decisivo voto do centro é disso exemplo recorrente.
Porém resta a ameaça sebastiânica. Daí o semi, o manter da estrutura orgânica democrática com os partidos na sua génese, sendo as maiorias parlamentares formadas também em função das escolhas presidenciais, e com reflexo prático na praxis governativa. Um Homem que foi eleito directamente tem, se quiser, a independência suficiente para agir sem cuidar dos interesses das siglas. E, caso caia em tentações solitárias, o semi tem força para o chamar à realidade, travá-lo se for o caso.
Transposto para a realidade que nos bate à porta, i.e. as já tão próximas eleições presidenciais, clamarão vozes assustadas que perante a ementa que se alinha será perigoso reforçar poderes a quem for eleito. Discordo. Seja eleito qual deles for não vejo nem receio que a democracia esteja em perigo.
Cavaco teve tiques desagradavelmente autoritários e acabou por se dar mal com eles. Mas, nem então, se poderá dizer com razão que desrespeitou a democracia. E terá aprendido, todos aprendemos com os erros cometidos.
Soares corre para o Olimpo, indeciso se já lá tem lugar guardado ou não. Pensamento esquisito mas não preocupante. Pelo seu passado sabemos que há riscos que ele nem pisa nem deixa pisar.
Assim se a ‘direita’ ganhar a presidência não está a democracia em perigo. Porque, no modelo aventado, o presidencialismo com acção governativa terá de conviver com o outro lado do semi, o governo de Sócrates que provém do voto centro-esquerda.
Caso ganhe a ‘esquerda’ a presidência também não há riscos de abuso democrático, pois por certo o que separa Sócrates de Soares é mais e mais profundo do que o que o separa de Cavaco; no mínimo é equidistante.
Não se dramatizem as derrotas, isto não é futebol.
Se o sistema não mudar os seus defeitos continuarão, haja as mudanças que houver nos actores. Se os sapatos apertam temos de ir ao sapateiro comprar novos, sob pena de ficarmos coxos e em última instância não podermos andar a não ser descalços.
Estas eleições presidenciais, sujeito o seu resultado e acção ao sistema vigente, não aquecerão nem arrefecerão nada para além das vitórias de café, do somar de marcas na coronha que tantas e tantas vezes rapidamente se tornam desconfortáveis.
Até porque, concordando contristado com um certo colunista que faz do fel a sua razão de viver e escreve-o para acinzentar as manhãs, estou em crer que as contas para uma segunda volta são a própria razão de ela, muito provavelmente, não vir a ser necessária para havermos presidente.
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Adenda : o meu caro amigo João Tunes preocupou-se aqui com esta minha divagação teórica. Em excesso, no meu entender. Um pouco atabalhoadamente, lá me expliquei (tentei...) na sua caixa de comentários.
4 Comments:
De sapatos percebo eu, que não de política, nem quero, porque o que eu sei de sapatos basta-me para entender a política. E sem pruridos de linguagem sempre te digo que me recuso a usar sapatos que me fodam os pés...pronto...disse...th
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Sapateiro agora só se for o Bandarra. Não pra botar meias-solas ou remendar gáspeas, mas para obra fina e duradoura: um par de botas caneleiras, pois a m***@ feita já vai em tal altura que será esse o melhor calçado ideal para presidências abertas!
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