O escândalo Felgueiras
Como nota prévia quero dizer que entendo que muitos bons autarcas, daqueles a quem as suas populações devem muito mais que meia dúzia de rotundas e uma piscina municipal, vivam preocupados com alguns lançamentos contabilísticos feitos no passado. Aqui na minha zona, bem perto de onde resido, há um que recentemente se apresentou voluntariamente à PJ, vindo a ser constituído arguido face aos desvios orçamentais que voluntariamente denunciou, sendo que ninguém até ao momento, todas as oposições incluídas, põe em causa que pessoalmente não recolheu um cêntimo de benesse com as habilidades contabilísticas que praticou e que conduziram a autarquia à bancarrota de não ter dinheiro para salários, luz ou telefones. Fez obra e obras indiscutivelmente em prol da população mas com os dinheiros errados, sendo que, descobertos os transvazes ilegais, as devoluções e coimas, juros e penalizações levaram-no a assumir e dar a cara pela iminente falência da sua gestão com contas de merceeiro.
Porque a visão dos problemas locais é muito diferente se olhada das lonjuras do poder central ou de gabinetes com janela directa ao problema, e também porque em Portugal está por resolver esse enorme buraco do que é e como se resolve o financiamento dessa parte indispensável à democracia que são os partidos políticos. E houve uma longa época em que todos deverão ter prevaricado no tapar do buraco com areia que não era a própria, também ordenando rotundas com dinheiro de piscinas e vice-versa, enfim, tornados elásticos e de vasos comunicantes orçamentos cujos rígidos cânones a displicência do desenrascanço à portuguesa ignorou de rigor. Claro que com o tráfico de influências anexo e o aproveitamento pessoal em muitos tristes casos, estes os lados mais tenebrosos desta tentação de tentar escrever mais direito por linhas graficamente tortas. No caso de Fátima Felgueiras provavelmente bastante da primeira parte do retro se aproveita, embora haja por lá e visível processualmente a compra dum Audi um bom bocado mal explicada.
Mas o que li hoje no jornal Público (link só para o título, o corpo da notícia só é acessível a assinantes on-line) deixou-me a soluçar por um dos pilares da minha fé: a Justiça e a sua independência, que embora seja habitual bombo da festa da falência nacional, sempre olhei com olhos muito mais crentes que o inverso, e acreditei que eram muitas mais as vozes que os pardais. Acredito na sua necessidade imperiosa para a sociedade manter a cabeça acima da linha d’água e, reconhecendo-lhe as tantas imperfeições, não sou nem nunca fui cego às suas virtudes. Sem uma Justiça independente está a selva instalada e nela só as feras sobrevivem, até se distraírem.
Factos e horários relatados na notícia:
i) às 15,30 Jaime Gama, nº 2 do País, recebe um telefonema e comunica ao líder parlamentar do grupo maioritário e suporte do governo, que a decisão do Tribunal será a de revogar a medida cautelar de prisão preventiva;
ii) Fátima Felgueiras chega ao tribunal pelas 16,00 horas, e começa a ser ouvida pela juiz uma hora mais tarde;
iii) a decisão judicial de revogação do mandato de captura é tornada pública pelas 20,00, quatro horas e meia após o tal telefonema a ter denunciado.
Antes e depois – ainda em curso – há a novela dos avisos e negociações prévias ao seu regresso ao país e comparência a juízo, com advogados, polícia e partido envolvidos. E a notícia relatada merece desmentidos que soam como excessivamente curtos, e por isso pouco convincentes face à gravidade do relatado.
Já no mais atrás, recordo-me que foi um aviso com origem no tribunal da Relação que precipitou a fuga para não ser detida. Mas, aí, há que entender que a burocracia faz com que os papéis passem por muitas mãos e qualquer escriturário pode ter tido a eles acesso, e por qualquer razão ter praticado a fatal inconfidência. Imperfeito, mas plausível.
Diferente é uma decisão judicial ser conhecida antes de ser tomada, sendo que não se trata duma a tomar exclusivamente pelo estudo dos factos vertidos no processo e que, portanto, o juiz formula a sua decisão e só depois a escreve. Aqui, a audição da arguida é fundamental e, sem ela, é impossível tomar uma decisão em consciência, justa. Ou então cai-se na fantochada, é mais um prego na urna da credibilidade do sistema judicial.
Só que desta vez é uma cavilha, e das grandes. Pela conivência a um nível excessivamente perigoso. Por outro tráfico que não o dos favores autárquicos, mas a nível de Estado e numa promiscuidade insuportável. Porque nem eu nem ninguém acredita que foi um dirigente partidário de baixo ou médio gabarito que ‘negociou’ a decisão. Quem telefonou à juíza negociando, solicitando, influenciando, prostituindo a sua (futura) decisão foi alguém da sua hierarquia, que por sua vez recebeu ‘conselho’ dum peso-pesado colocado bem alto.
O fim da separação de poderes, da independência judicial. Da Justiça como a entendo, que passa a não merecer maiúscula por dela desmerecer. A porta para a selva levou forte encontrão com o caso Fátima Felgueiras, há escuridão a mais para que possamos sentir a segurança mínima que nos é devida quando olhamos para o poder judicial.
Porque a visão dos problemas locais é muito diferente se olhada das lonjuras do poder central ou de gabinetes com janela directa ao problema, e também porque em Portugal está por resolver esse enorme buraco do que é e como se resolve o financiamento dessa parte indispensável à democracia que são os partidos políticos. E houve uma longa época em que todos deverão ter prevaricado no tapar do buraco com areia que não era a própria, também ordenando rotundas com dinheiro de piscinas e vice-versa, enfim, tornados elásticos e de vasos comunicantes orçamentos cujos rígidos cânones a displicência do desenrascanço à portuguesa ignorou de rigor. Claro que com o tráfico de influências anexo e o aproveitamento pessoal em muitos tristes casos, estes os lados mais tenebrosos desta tentação de tentar escrever mais direito por linhas graficamente tortas. No caso de Fátima Felgueiras provavelmente bastante da primeira parte do retro se aproveita, embora haja por lá e visível processualmente a compra dum Audi um bom bocado mal explicada.
Mas o que li hoje no jornal Público (link só para o título, o corpo da notícia só é acessível a assinantes on-line) deixou-me a soluçar por um dos pilares da minha fé: a Justiça e a sua independência, que embora seja habitual bombo da festa da falência nacional, sempre olhei com olhos muito mais crentes que o inverso, e acreditei que eram muitas mais as vozes que os pardais. Acredito na sua necessidade imperiosa para a sociedade manter a cabeça acima da linha d’água e, reconhecendo-lhe as tantas imperfeições, não sou nem nunca fui cego às suas virtudes. Sem uma Justiça independente está a selva instalada e nela só as feras sobrevivem, até se distraírem.
Factos e horários relatados na notícia:
i) às 15,30 Jaime Gama, nº 2 do País, recebe um telefonema e comunica ao líder parlamentar do grupo maioritário e suporte do governo, que a decisão do Tribunal será a de revogar a medida cautelar de prisão preventiva;
ii) Fátima Felgueiras chega ao tribunal pelas 16,00 horas, e começa a ser ouvida pela juiz uma hora mais tarde;
iii) a decisão judicial de revogação do mandato de captura é tornada pública pelas 20,00, quatro horas e meia após o tal telefonema a ter denunciado.
Antes e depois – ainda em curso – há a novela dos avisos e negociações prévias ao seu regresso ao país e comparência a juízo, com advogados, polícia e partido envolvidos. E a notícia relatada merece desmentidos que soam como excessivamente curtos, e por isso pouco convincentes face à gravidade do relatado.
Já no mais atrás, recordo-me que foi um aviso com origem no tribunal da Relação que precipitou a fuga para não ser detida. Mas, aí, há que entender que a burocracia faz com que os papéis passem por muitas mãos e qualquer escriturário pode ter tido a eles acesso, e por qualquer razão ter praticado a fatal inconfidência. Imperfeito, mas plausível.
Diferente é uma decisão judicial ser conhecida antes de ser tomada, sendo que não se trata duma a tomar exclusivamente pelo estudo dos factos vertidos no processo e que, portanto, o juiz formula a sua decisão e só depois a escreve. Aqui, a audição da arguida é fundamental e, sem ela, é impossível tomar uma decisão em consciência, justa. Ou então cai-se na fantochada, é mais um prego na urna da credibilidade do sistema judicial.
Só que desta vez é uma cavilha, e das grandes. Pela conivência a um nível excessivamente perigoso. Por outro tráfico que não o dos favores autárquicos, mas a nível de Estado e numa promiscuidade insuportável. Porque nem eu nem ninguém acredita que foi um dirigente partidário de baixo ou médio gabarito que ‘negociou’ a decisão. Quem telefonou à juíza negociando, solicitando, influenciando, prostituindo a sua (futura) decisão foi alguém da sua hierarquia, que por sua vez recebeu ‘conselho’ dum peso-pesado colocado bem alto.
O fim da separação de poderes, da independência judicial. Da Justiça como a entendo, que passa a não merecer maiúscula por dela desmerecer. A porta para a selva levou forte encontrão com o caso Fátima Felgueiras, há escuridão a mais para que possamos sentir a segurança mínima que nos é devida quando olhamos para o poder judicial.
7 Comments:
E de que maneira o que dizes é justo e equilibrado. Comungo esse teu pânico de ver o Poder Judicial esboroar-se na credibilidade. Processo de degradação que não começou com a Fátima e não acabará, julgo, com a Fátima. Para acabar com o resto, só faltava que os juízes, por absurdo (tendo em conta que são um orgão de soberania), se declarassem em greve.
Eu nunca confio em ninguém, ou alguém, em 100%. E eles pensam que nós somos parvos??? será que ainda não aprendemos que há bastidores por detrás das fachadas! as farsas por muito bem representadas que sejam deixam sempre escapar os tiques da representação.
Assina, uma ignorante
Acabei de ler no Público:
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público convocou uma greve para 25 e 26 de Outubro, anunciou hoje aquela estrutura sindical, poucas horas depois de os juízes terem marcado também uma paralisação para os dias 26 e 27 do mesmo mês.
não li a notícia do público (não sou assinante) mas não acredito no que aqui se transcreve - mera campanha contra os orgãos de soberania e os indivíduos que os corporizam
Esqueci-me de assinar. O primeiro comentário parece mas não é "anónimo". João Tunes
Para quem não acredita, aqui vai:
CALENDÁRIO DE GREVES
FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS
O Sindicato dos Funcionários Judiciais convocou uma greve – a segunda este ano - para 29 e 30 de Setembro e 3 e 4 de Outubro.
MAGISTRADOS JUDICIAIS
O Conselho Geral da Associação dos Juízes Portugueses agendou ontem dois dias de paralisação: 26 e 27 de Outubro.
PROCURADORES DO MP
O presidente do sindicato, António Cluny, vai propor terça-feira que os procuradores parem os tribunais a 25 e 26 de Outubro.
INSPECTORES DO SEF
O sindicato do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras marcou uma greve - 12, 13 e 14 de Outubro – e uma manifestação.
POLÍCIA JUDICIÁRIA
Os auxiliares e administrativos da Polícia Judiciária agendaram uma paralisação de três dias: 28, 29 e 30 de Setembro.
th, obrigado pelo esclarecimento lá no meu estaminé, mas quando aqui referi o meu "não acreditar" referia-me ao texto do CG e não ao seu comentário [ao qual sucedi, é certo, daí a confusão] - ou seja comentei eu, não acredito na notícia do público sobre a intervenção de instâncias socialistas no caso Felgueiras de Felgueiras e na intromissão da 2ª figura do Estado no dito Felgueiras de Felgueiras. Como vê nada em referência às tais greves que V. anuncia/denuncia.
Já agora, e já que houve esta confusão, permita-me dizer esclarecer, agora sem ponta de ironia, que "não quero acreditar" na tal notícia a que o Gil se refere. Um "não quero acreditar" de sorriso triste estampado pois nada nos pode surpreender vindo da elite socialista portuguesa - nada mesmo. Pois em Portugal pior do que tal socialista gente só mesmo quem neles vota. [como p. ex. quem rejubila com greves variadas (movimentos sociais) face aos governos não-socialistas e as denuncia se face a governos socialistas - mas essa é blogoconversa que dura há já meses, já a tive, agora passo e olho de longe]
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