(ainda sem nome: o princípio dum capítulo*)
Pitas
A tarde corre dengosa, pelas montras adivinha-se quente lá fora porque no café o ar condicionado cumpre, e há um suspiro de prazer em todos os que estão. Naquela cidade, ‘a terrinha’ como costuma dizer mordazmente, são poucos os locais onde os confortos dissimulem a monótona tristeza de lá viver, enterrada na rotina de aulas e família, sonhando sempre com evasões que ainda não chegaram mas que se prometem conforme o crescer vai triunfando e o futuro quase que assoma em cada pequeno passo cumprido no lento emancipar.
Somos três na mesa. Primeiro éramos dois e eu gostava que assim tivesse continuado, mas depois chegou a Ana que comparou o bronzeado com o do Luís e desfiou o relato das férias, tão cheio de originais como é um filme de enlevo e muita praia que dura quinze dias. Impagável a Ana, e as suas paixões de verão... não que no resto do ano fosse delas avara mas aquele bronzeado mostrava-se uniforme demais para que às tardes de sol tivessem sucedido noites castas, é todos os anos a mesma história... dois é um número perfeito, e três soa como demais principalmente quando a Ana ameaça tornar o meu o excedentário. Eu e o Luís tínhamos chegado há meia hora atrás. Mandara-me um sms ‘a kombinar’ e lá nos encontráramos. Gostava dele e não me importava nada se ele se atrevesse, se soltasse em cima de mim as suas hormonas, enfim, se se atrevesse a saltar em cima de mim...
De momento não andava com ninguém, e nem ele que eu soubesse. Na escola éramos de turmas separadas e, nos intervalos e na pastelaria fronteira, via-o muito com a Célia mas nem beijos nem mãos dadas, abraços, nunca vira nada que sustentasse o ciúme que sentia quando os via juntos. O Luís era bonito e divertido, algo tímido mas isso até lhe dava charme. Os seus caracóis negros geravam-me impulsos de carícias que reprimia no secreto desejo de neles mergulhar os dedos, enfim, eu perdida nestes pensamentos acerca dos caracóis do Luís e, reparo, a Ana já lhe segura o braço com mais frequência do que eu gostaria. Cabra. Tenho de ser eu a avançar, senão lá vai ele para esta predadora bronzeada!
As mesas vão-se enchendo, são quase todos malta conhecida. A Mizé, a Falhocas, a Cátia. Noutra, duas que não conheço com o Toy, que me faz um grande aceno quando repara que estou a olhar para eles. Aborrecida com o assédio da miss bronze ao patinho, e também curiosa sobre quem serão as duas novidades que estão com ele, levanto-me e vou até à mesa do Toy, beijinho beijinho beijinho, e elas chamam-se Teresa e Guida, são primas do dele e estão cá a passar o fim de semana. Um pouco reservadas mas isso é natural pois não são de cá e não conhecem ninguém além do priminho.
Em duas miradelas vejo que a cadela com cio já está pendurada no ombro do Luís, e ele está parvo, derrete-se a mostrar-lhe qualquer coisa no telemóvel. Provavelmente mensagens porcas pois a marcha nupcial não é certamente, para o evitar estou cá eu e ela que se cuide, digo-lhe com um grande sorriso quando o olhar dela se cruza com o meu, após ter sentido alguma retracção dele quando me surpreendeu a olhá-los. Bem, se não quero perder a parada tenho de avançar, e rápido.
Entretanto o Toy anuncia às priminhas que o que está a dar naquela pasmaceira é a ida à discoteca e que não vê problema algum em os pais delas autorizarem indo elas na sua companhia. Esta autoconfiança dos primos aborrece-me, pois conheço o estilo. Levar carne fresca em que não estão interessados, confiantes em que os outros se atirem a elas e deixem campo livre às suas conquistas one disco night. Pois. Elas que se cuidem, pois cinco minutos após terem entrado já o primo fugiu deixando-as rodeadas de galitos a babarem-se... Mas olhando melhor para elas até acho que não me devo ralar, nem elas por certo serão moças para o fazerem, provavelmente até lhes convirá mudança na ementa. É a selva, é a selva e a Ana lá está de novo com a mão no braço do Luís, os bronzeados fundindo-se enquanto os meus neurónios vingativos também se fundem de tanto imaginarem cenários de tortura à promíscua e de salvação ao príncipe, entrecruzados com visões de cetim para o bronzeado do Luís fundido com as minhas sardas.... et voilá!
A última vez que me apaixonara fora por acaso. Quatro anos mais velho, P. tivera relutância inicial em aceitar pacificamente que desejava mais que mirar-me o decote, que o salivar que me humedecia os lábios quando para ele falavam era um convite para ser aceite. Bem, um dia fê-lo e começamos a andar. Por aí fora, talvez ao fim duma semana e numa tarde dum sábado em que os pais dele foram a um funeral lá alegramos o nosso namoro até então normalmente encalorado com a sempre emocionante experiência de misturarmos as nossas roupas no chão do quarto. E quando dei por mim estava mesmo apaixonada... já não ‘andava’ com P, amava-o. Os carregamentos no telemóvel começaram a durar ainda menos, na minha vida os passos fizeram carreiro ao encontro dos dele, suspirava quando estava longe e suspirava quando lhe bebia a presença.
Terminou ao fim de quatro meses. P. arranjou emprego em Tavira, num hotel, e após dois fins de semana intercalados por quinze dias em que cá veio visitar os pais e, de fugida, fizemos amor, nunca mais voltou à terrinha e vim a perceber por sms que a razão do seu telemóvel estar tantas vezes em off tinha mais a ver com mouras que com horários de trabalho apertados.
Juntei os cacos e jurei horrores, mas no verão que se sucedeu estive especialmente atenta às reuniões familiares que acertavam as férias, tendo votado vencedora na costa alentejana. Nunca mais o vi, por vezes cá fala-se nele mas com o tempo deixei de sentir um aperto no peito quando dele ouço memória, e mesmo a nuvem vermelha de sangue que me toldava o olhar quando o visualizava amouriscado, ganhou tons menos dramáticos.
E eu perdida na minha arca de amores e desilusões e na mesa já se juntaram a fera bronzeada e a presa babada, já as primas entre risinhos trocam números de telélés com todos, a marcha para a festa da noite já corre e tenho de me inteirar de quem, quando, onde e como, enfim de como fazer o assalto ao Luís no próprio buço bronzeado da querida Ana, que me sorri muito candidamente. E eu retribuo-lhe, claro. Ó como somos todas amigas, principalmente com as calças de que se fala à vista!
Bebi o resto da cola e despedi-me, ansiosa por voltar a casa e por um banho, um jeito ao cabelo e escolher os trapos para arrasar à luz da disco e aos olhos do Luís. O pai não estava, por certo estava no café a ler o jornal (...)
A tarde corre dengosa, pelas montras adivinha-se quente lá fora porque no café o ar condicionado cumpre, e há um suspiro de prazer em todos os que estão. Naquela cidade, ‘a terrinha’ como costuma dizer mordazmente, são poucos os locais onde os confortos dissimulem a monótona tristeza de lá viver, enterrada na rotina de aulas e família, sonhando sempre com evasões que ainda não chegaram mas que se prometem conforme o crescer vai triunfando e o futuro quase que assoma em cada pequeno passo cumprido no lento emancipar.
Somos três na mesa. Primeiro éramos dois e eu gostava que assim tivesse continuado, mas depois chegou a Ana que comparou o bronzeado com o do Luís e desfiou o relato das férias, tão cheio de originais como é um filme de enlevo e muita praia que dura quinze dias. Impagável a Ana, e as suas paixões de verão... não que no resto do ano fosse delas avara mas aquele bronzeado mostrava-se uniforme demais para que às tardes de sol tivessem sucedido noites castas, é todos os anos a mesma história... dois é um número perfeito, e três soa como demais principalmente quando a Ana ameaça tornar o meu o excedentário. Eu e o Luís tínhamos chegado há meia hora atrás. Mandara-me um sms ‘a kombinar’ e lá nos encontráramos. Gostava dele e não me importava nada se ele se atrevesse, se soltasse em cima de mim as suas hormonas, enfim, se se atrevesse a saltar em cima de mim...
De momento não andava com ninguém, e nem ele que eu soubesse. Na escola éramos de turmas separadas e, nos intervalos e na pastelaria fronteira, via-o muito com a Célia mas nem beijos nem mãos dadas, abraços, nunca vira nada que sustentasse o ciúme que sentia quando os via juntos. O Luís era bonito e divertido, algo tímido mas isso até lhe dava charme. Os seus caracóis negros geravam-me impulsos de carícias que reprimia no secreto desejo de neles mergulhar os dedos, enfim, eu perdida nestes pensamentos acerca dos caracóis do Luís e, reparo, a Ana já lhe segura o braço com mais frequência do que eu gostaria. Cabra. Tenho de ser eu a avançar, senão lá vai ele para esta predadora bronzeada!
As mesas vão-se enchendo, são quase todos malta conhecida. A Mizé, a Falhocas, a Cátia. Noutra, duas que não conheço com o Toy, que me faz um grande aceno quando repara que estou a olhar para eles. Aborrecida com o assédio da miss bronze ao patinho, e também curiosa sobre quem serão as duas novidades que estão com ele, levanto-me e vou até à mesa do Toy, beijinho beijinho beijinho, e elas chamam-se Teresa e Guida, são primas do dele e estão cá a passar o fim de semana. Um pouco reservadas mas isso é natural pois não são de cá e não conhecem ninguém além do priminho.
Em duas miradelas vejo que a cadela com cio já está pendurada no ombro do Luís, e ele está parvo, derrete-se a mostrar-lhe qualquer coisa no telemóvel. Provavelmente mensagens porcas pois a marcha nupcial não é certamente, para o evitar estou cá eu e ela que se cuide, digo-lhe com um grande sorriso quando o olhar dela se cruza com o meu, após ter sentido alguma retracção dele quando me surpreendeu a olhá-los. Bem, se não quero perder a parada tenho de avançar, e rápido.
Entretanto o Toy anuncia às priminhas que o que está a dar naquela pasmaceira é a ida à discoteca e que não vê problema algum em os pais delas autorizarem indo elas na sua companhia. Esta autoconfiança dos primos aborrece-me, pois conheço o estilo. Levar carne fresca em que não estão interessados, confiantes em que os outros se atirem a elas e deixem campo livre às suas conquistas one disco night. Pois. Elas que se cuidem, pois cinco minutos após terem entrado já o primo fugiu deixando-as rodeadas de galitos a babarem-se... Mas olhando melhor para elas até acho que não me devo ralar, nem elas por certo serão moças para o fazerem, provavelmente até lhes convirá mudança na ementa. É a selva, é a selva e a Ana lá está de novo com a mão no braço do Luís, os bronzeados fundindo-se enquanto os meus neurónios vingativos também se fundem de tanto imaginarem cenários de tortura à promíscua e de salvação ao príncipe, entrecruzados com visões de cetim para o bronzeado do Luís fundido com as minhas sardas.... et voilá!
A última vez que me apaixonara fora por acaso. Quatro anos mais velho, P. tivera relutância inicial em aceitar pacificamente que desejava mais que mirar-me o decote, que o salivar que me humedecia os lábios quando para ele falavam era um convite para ser aceite. Bem, um dia fê-lo e começamos a andar. Por aí fora, talvez ao fim duma semana e numa tarde dum sábado em que os pais dele foram a um funeral lá alegramos o nosso namoro até então normalmente encalorado com a sempre emocionante experiência de misturarmos as nossas roupas no chão do quarto. E quando dei por mim estava mesmo apaixonada... já não ‘andava’ com P, amava-o. Os carregamentos no telemóvel começaram a durar ainda menos, na minha vida os passos fizeram carreiro ao encontro dos dele, suspirava quando estava longe e suspirava quando lhe bebia a presença.
Terminou ao fim de quatro meses. P. arranjou emprego em Tavira, num hotel, e após dois fins de semana intercalados por quinze dias em que cá veio visitar os pais e, de fugida, fizemos amor, nunca mais voltou à terrinha e vim a perceber por sms que a razão do seu telemóvel estar tantas vezes em off tinha mais a ver com mouras que com horários de trabalho apertados.
Juntei os cacos e jurei horrores, mas no verão que se sucedeu estive especialmente atenta às reuniões familiares que acertavam as férias, tendo votado vencedora na costa alentejana. Nunca mais o vi, por vezes cá fala-se nele mas com o tempo deixei de sentir um aperto no peito quando dele ouço memória, e mesmo a nuvem vermelha de sangue que me toldava o olhar quando o visualizava amouriscado, ganhou tons menos dramáticos.
E eu perdida na minha arca de amores e desilusões e na mesa já se juntaram a fera bronzeada e a presa babada, já as primas entre risinhos trocam números de telélés com todos, a marcha para a festa da noite já corre e tenho de me inteirar de quem, quando, onde e como, enfim de como fazer o assalto ao Luís no próprio buço bronzeado da querida Ana, que me sorri muito candidamente. E eu retribuo-lhe, claro. Ó como somos todas amigas, principalmente com as calças de que se fala à vista!
Bebi o resto da cola e despedi-me, ansiosa por voltar a casa e por um banho, um jeito ao cabelo e escolher os trapos para arrasar à luz da disco e aos olhos do Luís. O pai não estava, por certo estava no café a ler o jornal (...)
* vai para a 'Maria'.... lol
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