Conto da época - III - o puto
o puto
Dizem os eruditos que a verdade fica algures entre a falsidade e a realidade. Se é biologicamente inegável que quem existe nasceu, já os registos desse nascimento só são leitura de crédulos até à curta soleira da desconfiança. Rezam os registos civis que o puto nasceu de parto natural e de pai incógnito, às horas primeiras dum dia vinte e cinco. A mãe, forçosa testemunha e única conhecida, declarou nos registos que era noite já bem negra, talvez o seu meio; quando a vida é vaga vagueia-se o meio, hesitando no não mais errar. Assim, do assentamento consta a meia-noite. Como local foi indicado o bairro mais pobre da freguesia, colónia de migrantes à felicidade, paradouro provisório daqueles que eternizavam desiludidos sonhos. A mãe chamou-lhe Jesus, e assim ficou registado.
Maria nascera em África, e em demanda não sabia bem de quê seguira a fila e entrara num avião, dele saíra em cidades que percorrera ao ritmo da desilusão que se segue ao encanto, aportara finalmente ao bairro e ali vivia há mais anos que de idade tinha o miúdo. O habitual, escadas intermináveis para lavar, precários dias e longos serões de ajuda nas cozinhas, nas aflições também a prostituição. Neste longo terço, algures entre a falsidade e a realidade migrantes nasceu-lhe Jesus, apelido dum sonho perdido que passou a nome próprio do seu nascido efeito.
Naquelas bordas da vida em que nunca há milagres, no pestanejar contínuo pelo sobreviver, o miúdo e a mãe irmanavam-se nos sorrisos que se dedicavam, lambiam mutuamente as feridas do assim viver. Construíam-se felizes. Quando Jesus viu sua mãe Maria prostrada no cimento, nasceu em si uma dor que se sobrepôs à da ausência dos placebos com sabores do senhor José, na sua ainda pequena bula da vida leu as rejeitadas letras pequenas das mais penosas contra-indicações. Amargou-se-lhe o precário existir, pesou-lhe no bolso o envelope da clínica com os últimos números para o senhor doutor ler, cerrou-se-lhe o mundo para além do grito que o seu peito doente soltou. As lágrimas que lhe lavaram a face eram tantas e tão genuínas, que quem ocorreu ao desmaio de Maria não sabia se da caída havia de tomar conta, se do miúdo que era a imagem viva de angústia e sofrimento.
Dizem os eruditos que a verdade fica algures entre a falsidade e a realidade. Se é biologicamente inegável que quem existe nasceu, já os registos desse nascimento só são leitura de crédulos até à curta soleira da desconfiança. Rezam os registos civis que o puto nasceu de parto natural e de pai incógnito, às horas primeiras dum dia vinte e cinco. A mãe, forçosa testemunha e única conhecida, declarou nos registos que era noite já bem negra, talvez o seu meio; quando a vida é vaga vagueia-se o meio, hesitando no não mais errar. Assim, do assentamento consta a meia-noite. Como local foi indicado o bairro mais pobre da freguesia, colónia de migrantes à felicidade, paradouro provisório daqueles que eternizavam desiludidos sonhos. A mãe chamou-lhe Jesus, e assim ficou registado.
Maria nascera em África, e em demanda não sabia bem de quê seguira a fila e entrara num avião, dele saíra em cidades que percorrera ao ritmo da desilusão que se segue ao encanto, aportara finalmente ao bairro e ali vivia há mais anos que de idade tinha o miúdo. O habitual, escadas intermináveis para lavar, precários dias e longos serões de ajuda nas cozinhas, nas aflições também a prostituição. Neste longo terço, algures entre a falsidade e a realidade migrantes nasceu-lhe Jesus, apelido dum sonho perdido que passou a nome próprio do seu nascido efeito.
Naquelas bordas da vida em que nunca há milagres, no pestanejar contínuo pelo sobreviver, o miúdo e a mãe irmanavam-se nos sorrisos que se dedicavam, lambiam mutuamente as feridas do assim viver. Construíam-se felizes. Quando Jesus viu sua mãe Maria prostrada no cimento, nasceu em si uma dor que se sobrepôs à da ausência dos placebos com sabores do senhor José, na sua ainda pequena bula da vida leu as rejeitadas letras pequenas das mais penosas contra-indicações. Amargou-se-lhe o precário existir, pesou-lhe no bolso o envelope da clínica com os últimos números para o senhor doutor ler, cerrou-se-lhe o mundo para além do grito que o seu peito doente soltou. As lágrimas que lhe lavaram a face eram tantas e tão genuínas, que quem ocorreu ao desmaio de Maria não sabia se da caída havia de tomar conta, se do miúdo que era a imagem viva de angústia e sofrimento.
2 Comments:
Este é fixe!! - muf'
kum raio, pá! tu num me ponhas mais revoltada...th
Enviar um comentário
<< Home