Xicuembo (versão 3.0)

memórias & resmungos do Carlos Gil

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sábado, junho 18, 2005

"... tu a ensinares-me a olhar"

Hoje é dia de agradecimentos. Que nunca poderão ser completos, tanto que temo a voz fraca e a vontade de esconder-me num buraco.
Haverá os 'protocolores', a S.Exª por isto, ao Sr. Drº por aquilo, mais "a todos os que blá blá blá". Nessa parte acho que me desenrasco. Mas há o principal deste acto devido de agradecer e lembrar apoios, mãos no ombro e até raspanetes, e é aqui que vou tentar.
O livro não tem dedicatória expressa mas há duas que é de justiça fazer:
- a primeira é para o meio milhão (mais caixote menos coisa) de "retornados" de Moçambique (detesto esta palavra: ganhou conotações que me incomodam, e com as quais nem eu nem muitos e bons milhares se identificam), a tribo de luso-moçambicanos com quem a História foi inclemente, no seu rolar imparável mas cego. Recomeçar abruptamente a vida, famílias inteiras, em terra para quase todos estranha e em ambiente e momento que não lhes eram propriamente amigáveis, não foi nada fácil. O meu livro, se não deita um olhar piedoso ou desculpabilizante sobre as condições políticas que foram alimentadas pela passividade da população colonial ao status, também pretende ser um olhar terno sobre essa multidão anónima que, hoje e passados trinta anos - uma vida! ainda traz Moçambique no coração. A grande massa era 'colono', e assumia postura típica, sem se dar conta consciente da injustiça que praticava com os seus irmãos moçambicanos negros. Sim, por comodismo. Sim, porque era benificiada com o sistema. Mas, ressalvadas as situações de radicalismo insensato e extremo, no seu grande global a sua praxis diária não alinhava com a visão dos 'falcões' do regime, os fascistas e colonialistas ideológicamente assumidos que contaminavam toda a sociedade moçambicana com o esterco político que debitavam. Há que separar águas, como soe dizer-se, e reconhecer que a sociedade urbana moçambicana dos anos 70's tinha claras e visíveis manifestações expontâneas contra a esclerose anti-democrática e fascista que o Estado Novo impunha, lá com o horrível adicional do colonialismo. Para eles, portanto, o meu primeiro Abraço em livro;
- a segunda é uma dedicatória muito pessoal. Ao meu Amigo Luís Garcia de Brito, prematuramente falecido quando ainda tinha tanto de si a dar aos seus filhos e, até, à sociedade moçambicana a quem sempre se manteve fiel. O Luís foi o meu Amigo de adolescência - como todos tivemos um, o confidente, o companheiro de alegrias e patifarias, de colega de escola passou a colega de trabalho e até partilhamos dois apartamentos na velha e já final LM, quando os vazios já eram tantos que era só escolher qual é que mais nos agradava arrendar. Eu vim-me embora e o Luís ficou. Foi empreendedor, 'empresário' como se costuma dizer, dizem-me até que deixou bom pé-de-meia quando faleceu inesperadamente num acidente de viação na Suazilândia, aonde tinha acompanhado a selecção nacional de futebol para cobertura dum novo jornal desportivo que estava a lançar. O desporto para ele era tudo, foi jogador de hóquei dos escalões jovens do Clube Ferroviário de Lourenço Marques e, até, por essa equipa foi vice-campeão de Portugal em juniores, quando ainda tinha idade de juvenil. Na altura da Independência foi integrado na selecção nacional e foi dele um dos golos contra a equipa da Holanda no torneio celebrativo, salvo erro no jogo realizado em Quelimane. Mais tarde jogou em mais clubes com destaque para o Costa do Sol, mas foi como dirigente e empresário desportivo que deixou a sua marca e imagem, desde torneios de futebol de salão ao que agora vou passar a contar. Era proprietário da empresa Sobec que, por si e sem os tais patrocínios estatais que cá são precisos para tudo e mais alguma coisa, organizou, custeou desde equipamentos a transportes, um torneio de futebol infantil que pôs centenas de miúdos de pé descalço a jogar por toda a cidade, depois com eliminatórias provinciais e, pelo menos num ano e com o apoio duma companhia aérea, a campeã veio a Portugal disputar o Torneio Internacional da Pontinha onde, imagine-se, chegaram a empatar com o todo-poderoso Benfica. O "Torneio da Sobec", algo prático e não coisa de discursos, e algumas das fotos que se podem ver no link acima mostram o reconhecimento de políticos moçambicanos do mais alto nível pelo trabalho aí desenvolvido. O Luís era assim, a morte levou-o ainda tão jovem e com tanto, tanto de bom, para fazer. Soube da morte dele por puro acaso, mas mal comecei a ler a notícia dum funeral que tinha chocado a sociedade de Maputo, na última página do diário de café, na bica matinal duma certa manhã de início deste século, ainda não lhe tinha lido o nome e já o meu coração chorava - sentia que era ele. Era, era o Luís que tinha morrido, e fiz então a associação com a notícia que os nossos diários desportivos tinham dado dum acidente muito grave na ida da selecção de Moçambique à Suazilândia, mas onde não se referia o nome da vítima mortal, pois dos jogadores nenhum tinha, felizmente, falecido. Este livro dedico-o em segundo lugar ao Luís de Brito, exemplo que me fazia consumir de inveja quando pensava que ele tinha ficado 'lá', e eu desertara vindo para 'cá'. Luís, serás para sempre meu Irmão, e tantas páginas que escrevi pensando em ti.
Agora falemos do tanto que há a contar em como o meu livro nasceu, e o tanto que dele devo a tantos. Evitarei as referências pessoais, todos e cada um sabem que estou a mencioná-los.
Tal como o 'Carlos Gil' é virtual e sem correspondência real que ultrapasse o momento que já se aproxima, o 'Xicuembo' nasceu como livro virtual, embora hoje venha por certo a cheirar a tinta fresca, bem real.
Tudo começou como habitualmente é: mero acaso. Eu atravessava uma fase tão complicada da minha vida que, para me reconstruir e ganhar um mínimo de auto-estima até escreveria - já o disse a mais dum amigo, sobre os pólos e os esquimós. Quis a minha sorte que tivesse descoberto os sites luso-moçambicanos, Grupos MSN, as 'comunidades' virtuais como gostam de ser chamados, e melhor musa não poderia ter-me acontecido, desculpem lá o lugar comum mas que aqui cai que nem ginjas. Inscrevi-me no primeiro na única intenção de gamar fotos da 'minha cidade', pouco a pouco fui lendo as mensagens que são trocadas entre os participantes, respondendo a algumas e, quando dei por mim, escrevia memórias e trocava piropos ou metia-me em brigas, que nem um desnorteado. Envolvi-me, nasceu o 'Web'. Hoje, não tenho a contabilidade lá muito bem actualizada mas deverei estar inscrito em bem mais de trinta, sendo até já titular, 'gerente', de dois temáticos; até estou inscrito numa 'comunidade' angolana, confidencio, para melhor se perceber o meu envolvimento.
Foi aí o verdadeiro início do projecto e sonho de escrever um livro. Lá, 'comunidades', fiz amigos que hoje me são indispensáveis tal como o Luís foi carne da minha própria. Lá recebi e ganhei estímulos, lá bebi a tinta que escreveu a maioria das 144 páginas encadernadas, além das mais dum milhar que tenho guardadas, por burilar. Lá nasci.
Depois houve o blogue, em versão 1, onde sou confrontado com um nível de exigência de escrita superior, onde descubro o verdadeiro mundo virtual português, o mundo dos blogues onde tantas e tão boas letras se lêem, como virei pouco a pouco a descobrir, fascinado pelo que lia doutros e sensibilizado por apoios e estímulos de peso de pessoas que me eram completamente anónimas. Algumas ainda o são, mas tenho esperança em, para alguns, daqui a pouco essa lacuna também ser deixada para trás. O que é um blogue? para mim foi tudo, nele e com uma liberdade de tema que só quem neles escreve pode conhecer - total!..., nele, então, eu cresci. E o livro começou a ser sonhado com mais força, os 'posts' começaram a ser guardados para depois serem aperfeiçoados, eis a segunda e decisiva fase de gestação. O blogue foi a consolidação do meu livro, se nos Grupos bebi a tinta, as folhas são todas do mundo dos blogues.
O resto já podem adivinhá-lo. Consegui enganar um editor, que, vá-se lá saber porquê, engraçou com a leitura do 'manuscrito' que uma amiga, das tais nascida nas 'comunidades', lhe levou. E hoje nasce: eu ainda não o vi, estou tal e qual como vocês pois só lhe conheço a foto da cara mas nunca lhe senti o cheiro, o folheei, o olhei nas mãos para poder acreditá-lo como, de facto, real.
Ao mundo das 'comunidades' virtuais e ao mundo do bloganço, o indispensável agradecimento de quem reconhece que, se não me tivesse com eles cruzado, o livro não existiria ou, pelo menos, estaria numa fase tão imberbe que nunca passaria dum projecto de ser.
Há um agradecimento especial que terei de referir, embora quase íntimo devo publicá-lo: a minha família. Diz ela, a minha cúmplice, que o criador é um egoísta e por tal sujeita quem o rodeia aos seus maus humores, condiciona rotinas e monopoliza espaços que 'antes' eram familiares. Certo, certo, certo. Eu sou um criador sendo proto-autor, e a minha família ressentiu-se e sofreu com a metamorfose. Houve choques mas, acima de tudo e para nunca ser olvidado em branca imperdoável, houve confiança e cedência de 'espaço', tive a liberdade que reclamei embora tanta e tanta vez com sacrifício da dela. Este é o meu agradecimento final, e a ordem dos factores é arbitrária para tornar ainda mais injusto um nome numa capa que, visto a justa lupa e relido o escrito, deveria ser tão Plural.
Esta é a História do meu livro, e este é o discurso que eu nunca conseguirei fazer, daqui a já tão poucas horas - nem vocês o conseguiriam ouvir, aposto...

5 Comments:

Blogger Helena Araújo said...

Carlos,
tenho muita pena de não poder dar um saltinho a Portugal para participar na grande festa. Às 19:00 (aqui), estarei presente em espírito no Palácio das Galveias.
Um abraço!

sábado, junho 18, 2005 9:40:00 da manhã  
Blogger Isabel Filipe said...

Carlos Gil...

Bom dia....
Com muita pena minha não vou poder estar no lançamento do teu 1º livro... mas fica desde já aqui a promessa que estarei no lançamento do 2º....

Como já tive a oportunidade de te dizer por diversas vezes... desejo-te as maiores felicidades.

Um beijo amigo
Isabel

sábado, junho 18, 2005 10:47:00 da manhã  
Blogger th said...

Apenas uma palavra de apoio e incentivo para o discurso que, tenho a certeza, será do coração.
Abraço Amigo.
Th

sábado, junho 18, 2005 10:48:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Aqui deixo um forte abraço .
Tenho ensaio e não poderei lá estar, mas desejo um dia luminoso e feliz para Xicuembo
Irei lê-lo.
Isso é certo.

sábado, junho 18, 2005 11:03:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Obrigada/kanimambo.
Pelo blog e pelo livro.
AT

quinta-feira, junho 23, 2005 3:38:00 da tarde  

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