"Espinhos da Micaia"
O caranguejo moçambicano, por Fernando Lima
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Um diplomata africano em Washington, dizia-me há uns anos, que um artigo num jornal de referência é mais importante que dezenas de relatórios feitos para influenciar contrapartes.
Um diplomata africano em Washington, dizia-me há uns anos, que um artigo num jornal de referência é mais importante que dezenas de relatórios feitos para influenciar contrapartes.
Os diplomatas moçambicanos devem estar particularmente satisfeitos com a peça que o “New York Times” (NYT) dedicou recentemente ao potencial turístico moçambicano.
O país é descrito como “a estrela emergente de África” e o seu entusiasmado articulista compara a Av. Julius Nyerere a uma espécie de Saint-Tropez africana.
Longe vão os tempos nos dias que correm em que “no news were good news” (é uma boa notícia que não existam notícias), quando o Moçambique era apenas espaço de jornal pelos massacres e calamidades naturais.
A prosa do NYT é requintada e imaginativa, e vai do mergulho aos corais em Inhambane à cozinha moçambicana apaladada com “especiarias brasileiras” , com o toque asiático na herança ibérica(sic). Belisquei-me várias vezes para ter a certeza do que estava a ler, incluindo os comentários Maputo, uma das capitais mais seguras em África.
Este não é certamente o país em que os emergentes “resorts” turísticos são descritos como miseráveis cubatas melhoradas onde paira o mais abjecto racismo, onde os moçambicanos ocupam os degraus mais baixos do emprego, onde os barcos desportivos sul-africanos se dedicam a exportação ilícita de pescado. Onde o mergulho é uma actividade altamente suspeita, pois trata-se de subtrair ao país os imensos tesouros que repousam no fundo do mar, mesmo em frente do nariz do mais comum dos cidadãos. Não é prosa ficcional. Leio estes terríveis relatos todas as semanas na imprensa local. Chegados a estes extremos, que país temos afinal ?
O paraíso na terra, versão empolgada de um articulista cinco estrelas de Nova Iorque ou os relatos revoltados que dão conta da construção ilegal de 32 casas na Ponta do Ouro (na realidade são apenas quatro) ?
Nestes tempos conturbados de re-engenharia social e económica o que parece a uns, é visto com outros lentes no quadrante ao lado.
A Mozal pode representar 2/3 das exportações moçambicanas, é sala de visita para qualquer dignatário em viagem oficial e tem provavelmente a mais bem paga mão de obra do país. Mas foi lá onde se desencadeou um dos mais politizados conflitos laborais dos últimos anos. Os bancos, dizem, também pagam bem. No entanto, há um ciclo permanente de maledicência e intriga com sugestões para técnicos estrangeiros serem repatriados “às postas e em sacos plásticos”. Parece também haver uma enorme cobiça pelos lugares disponíveis (ou indisponíveis nos conselhos de administração). A recém privatização do corredor ferro-portuário do Norte foi largamente saudada para logo à seguir estar envolvido em disputas e intrigas , sugerindo uma terrível ciumeira pelo “lobby” do Sul ter ficado por fora da operação.
Os cínicos resolvem estas dicotomias, dessintonias com uma “boutade” filosofal: toda a medalha tem o seu reverso.
No mesmo fim-de-semana em que o NYT debitava a sua prosa, deleitei-me com uns medalhões de carneiro assados no forno importados de um “mall” de Nelspruit, temperados com ervas provençais (certamente à falta das tais especiarias brasileiras), tudo regado com um Merlot 2002, um notável tinto meia - reserva “made in SA”, mesmo à sombra dos imponentes edifícios do SISE, no tal bairro que o NYT diz que as casas são pintadas em tons pastel e têm tectos com telha sul-americana. A anfitriã perguntou-me se sabia a diferença entre o caranguejo japonês e o moçambicano.
Aqui vai o reverso alternativo. Os japoneses, quando preparam os crustáceos, põem a tampa na panela, para que eles não fujam da água a ferver. Em Moçambique, não é preciso pôr tampa. Os caranguejos que estão em baixo puxam os de cima para baixo.
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Gamado aqui
1 Comments:
Gosto sempre de ler sobre caranguejo!! - hummm, gulosa 15.
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