"o preto"
Naquela camada da população portuguesa que contesta (legitimamente!) a alcunha pejorativa de ‘retornado’, mas que lhe veste pele e consciência pelo repisar e re-repisar de rancores velhos de décadas, mastigando ódios a que dá nomes que invariavelmente não fogem aos de ‘comunas’, ‘o 25 de Abril’, ‘vendilhões’ e ‘traidores’, ‘Vasco Gonçalves’ e os militares, e aqueles de estimação que são ‘Mário Soares’, e ‘Almeida Santos’ e a ‘Frelimo’ – estes dois no caso dos portugueses que viveram em Moçambique, há um que fica esquecido e que é o grande culpado de a descolonização portuguesa ter corrido tão mal para todos eles. É o preto, esse grande esquecido quando os dedos tremem de raiva ao apontar culpados. O 'preto'.
O maior culpado pela tragédia social de 1974 e 75, que arrastou quase um milhão de portugueses a viajarem milhares de quilómetros em fuga a uma realidade que se lhes tornou hostil e em muitos tristes casos ameaçadora à sua integridade física, nas ex-colónias, não foi nenhum dos enumerados nem dos outros que também povoam o imaginário da sua câmara de horrores e de vinganças por cumprir. Nessa galeria falta ‘o preto’, o negro que era assim apelidado e tratado, que foi menorizado durante séculos como se dum animal sub-humano se tratasse, que nas últimas décadas do colonialismo, em pleno século XX e quase até à sua recta final ainda era tratado como ‘o preto’ por qualquer besta boçal que, vinda das Beiras ou de nenhures, onde era explorado não com argumento de cor da pele mas sim de extracto social, via nas Africas coloniais a sua oportunidade de vingar-se da exploração a que fora sujeito, aplicando em dobro o mesmo tratamento a todos os negros que com ele se cruzavam – e eram muitos pois ele emigra para a terra dos ‘pretos’. Em dobro porque utiliza a receita de que se queixava, a exploração, acrescida da dose de racismo que a legitima, que lhe dá segurança e – acredita! a justifica filosoficamente: o ‘preto’ é um homem inferior a ele, ‘branco’, e não se coíbe de lho lembrar sempre que pode, começando exactamente na forma como o trata: ‘o preto’. Qualquer negro é um ‘preto’, um ser parecido com ele, ‘branco’, mas geneticamente diminuído intelectualmente e primitivo nos seus costumes.
‘O preto’ é o grande culpado da descolonização de ânimos eriçados, dos excessos racistas que levaram à migração em massa, ao ‘retorno’ dum milhão de portugueses das ex-colónias para o finado Portugal Continental. Ei-lo, o primeiro culpado. Fosse o fascismo rude e abjecto – como era, fosse o colonialismo explorador de pessoas e recursos – como foi!, mas não houvesse o tratamento de ‘o preto’ no dia-a-dia que compõe a vidinha das pessoas, e a reacção ‘dos pretos’ não seria tão extremada e também mesclada de ódio racial, como ela foi no período de transição para as independências, radical que se mostrou no erguer de tantos dedos injustos a apontar culpas, com critérios defuntos de mais além que a cor da pele.
Foi ele, ‘o preto’, essa humilhação contínua e diária que se ministrava nas ruas e nos empregos, nas conversas que todos os ouvidos sentiam, até nos olhares que se trocavam, arrogantemente superiores quando no espelho deles estava um ‘preto’.
Descobri-o, o grande culpado. Foi ‘o preto’.
O maior culpado pela tragédia social de 1974 e 75, que arrastou quase um milhão de portugueses a viajarem milhares de quilómetros em fuga a uma realidade que se lhes tornou hostil e em muitos tristes casos ameaçadora à sua integridade física, nas ex-colónias, não foi nenhum dos enumerados nem dos outros que também povoam o imaginário da sua câmara de horrores e de vinganças por cumprir. Nessa galeria falta ‘o preto’, o negro que era assim apelidado e tratado, que foi menorizado durante séculos como se dum animal sub-humano se tratasse, que nas últimas décadas do colonialismo, em pleno século XX e quase até à sua recta final ainda era tratado como ‘o preto’ por qualquer besta boçal que, vinda das Beiras ou de nenhures, onde era explorado não com argumento de cor da pele mas sim de extracto social, via nas Africas coloniais a sua oportunidade de vingar-se da exploração a que fora sujeito, aplicando em dobro o mesmo tratamento a todos os negros que com ele se cruzavam – e eram muitos pois ele emigra para a terra dos ‘pretos’. Em dobro porque utiliza a receita de que se queixava, a exploração, acrescida da dose de racismo que a legitima, que lhe dá segurança e – acredita! a justifica filosoficamente: o ‘preto’ é um homem inferior a ele, ‘branco’, e não se coíbe de lho lembrar sempre que pode, começando exactamente na forma como o trata: ‘o preto’. Qualquer negro é um ‘preto’, um ser parecido com ele, ‘branco’, mas geneticamente diminuído intelectualmente e primitivo nos seus costumes.
‘O preto’ é o grande culpado da descolonização de ânimos eriçados, dos excessos racistas que levaram à migração em massa, ao ‘retorno’ dum milhão de portugueses das ex-colónias para o finado Portugal Continental. Ei-lo, o primeiro culpado. Fosse o fascismo rude e abjecto – como era, fosse o colonialismo explorador de pessoas e recursos – como foi!, mas não houvesse o tratamento de ‘o preto’ no dia-a-dia que compõe a vidinha das pessoas, e a reacção ‘dos pretos’ não seria tão extremada e também mesclada de ódio racial, como ela foi no período de transição para as independências, radical que se mostrou no erguer de tantos dedos injustos a apontar culpas, com critérios defuntos de mais além que a cor da pele.
Foi ele, ‘o preto’, essa humilhação contínua e diária que se ministrava nas ruas e nos empregos, nas conversas que todos os ouvidos sentiam, até nos olhares que se trocavam, arrogantemente superiores quando no espelho deles estava um ‘preto’.
Descobri-o, o grande culpado. Foi ‘o preto’.
8 Comments:
Se juntarmos ao desAmor que atravessa todas as raças aos ódios de gerações, teremos o racismo, que pode tomar diversas formas e consequencias. Chamar preto a um negro já é racismo...th
Gente como a barata, depois de ter sido pisada. Já está morta, o tempo e a História ultrapassaram-nos, só os dedos (ainda) teclam... - beijo, muf'.
Parabéns Carlos. Tb julgo saber o nervo com que este post foi escrito. Mas não julgo que a barata esteja morta, anda por aí, se anda por aí! Por isso mesmo, é que não resisti em alargar a discussão pensando que me desculpas o abuso de pendura. João Tunes
Carlos Gil como compreendo a tua indignação! IO: gente como a barata (sem ofensa para ela), anda por aí, podes crer.
Bravo mais uma vez Carlos. Só espero que neste momento, em África, nomeadamente no nosso Moçambique, esteja alguém a escrever "o branco". Eu sei que me entendes...
Porque é que eu estou no escalão mais baixo? Estou em saldo?
Carlos,
Parabéns pela publicação num jornal da Beira.
Que a força do artigo faça muitos pensarem
Um abraço
Eugénio
Caro GIL,
O grande paradigma para entender-se a realidade do racismo (e)(ou) a xenofobia é volver-se para natureza.A natureza não permite devaneios ideológicos,sociológicos nem ser confrontada
Na natureza o maior, mais forte ,mais potente subjuga o mais fraco e não pára para nisso pensar se é certo ou errado, é uma razão mais forte que os move :a ânsia dos instintos rudes, a própria sobrevivência. Isso é compreensívelmente notório. O Império Romano quando subjugou toda a Europa(exceto a terra do Asterix rs...rs...rs...rs)fazia valer a força. Eles eram superiores e assim o demonstraram durante um milênio. Os outros povos eram simplesmente inferiores, escravos ,ótimos para serem usados,como massa de trabalho e sem nenhum direito. E eram todos brancos .O caso não é ser branco ou preto ou amarelo a isso se atém a esquerda maledicente. O que realmente interessa é a superioridade de um povo sobre o outro numa conquista por um território ,nada mais .Os ideólogos vieram depois com sua pregações, assim como a igreja para cobrar seus dízimos, assim como Estado para cobrar seus impostos...A guerra natural não é contra negros ou ameríndios ou amarelos é sobre o domínio, a expansão ,a sobrevivência !
JTeixeira
jteixeira@30gigs.com
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