Xicuembo (versão 3.0)

memórias & resmungos do Carlos Gil

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quarta-feira, julho 13, 2005

Raio-x à pochette

Tenho uma pochette, preta, onde mergulhei tudo o que enchia bolsos e os deformava, mais uma série de tralhas que antes não trazia comigo e agora por lá habita, “dá jeito”. Um pouco como a celebrada carteira feminina, saco sem fundo e eterno objecto de mordazes comentários masculinos.

A minha pochette foi a compra mais útil que fiz nos últimos tempos, desde uns sapatos de golfe que descobri em saldos no Campera e que fazem as delícias dos meus pés e o gáudio da vizinhança que, pouco a pouco, se vai habituando às excentricidades do tipo do primeiro direito. Sem divisórias interiores no grande porão, permite transportar tudo, bem arrumado, a inevitável carteira e o telemóvel, o chaveiro, o maço de tabaco em uso mais o suplente, o isqueiro mais o suplente, dois cadernos ‘moleskine’ e uma esferográfica suplente, um canivete suíço e um corta-unhas e, até, um pequeno cinzeiro com tampa. Estes os residentes fixos do porão principal, pois há todos os eventuais que vão da carteira de plástico com os boletins dos sonhos e da fortuna, envelopes com contas por pagar, mais tudo o que aparece inesperadamente na mão e deveria morrer nos bolsos das calças. Nestes, sobrevive o lenço e a chave do carro.

Depois, frente e verso, há mais espaços que vou agora relatar neste strip-tease de alívio; atrás, abrindo com zip, a bolsa das gamelas de medicamentos para isto e para aquilo, stock que vigio e renovo, e que de muitas demandas de farmácias de serviço me poupa. Na frente, abrindo com dois fechos de mola, solta-se uma extensão em plataforma com uma bolsa fechada com zip, e outra aberta. Na primeira está o livro de cheques e uma caderneta bancária, na outra acumulam-se papéis de apontamentos, cartões de visita, mil e um papéis que costumavam voltar ao meu olhar transformados em pasta irreconhecível pelos detergentes da lavagem. Em frente, as pequenas divisórias para os cartões menos usados – os ‘mais’ estão na carteira -, parafernália de descontos e ilusões, inscrições e toda aquela abstracta numerologia com que vamos sendo carimbados por lojas e por repartições, milhentas novas formas de burocracia disfarçadas em duvidosas vantagens. Há outra bolsa, também aberta, onde se acumulam talões de supermercado, talões de descontos para isto e mais aquilo e que ali caducam sombriamente, de caixas Multibanco, e que se misturam com mais cartões de visita e de casas comerciais, mais papelada que vá além do lampejo momentâneo de necessidade de conservação, que não resiste ao tempo que passa e provoca alegres limpezas de carga periódicas. Ainda existe espaço para uma agenda telefónica, daquelas de agenda de bolso, de que continuo a não prescindir por não confiar na do telemóvel. Entres estas duas partes, a do porão da pochette e a que abre como uma plataforma, está a caneta em uso, adequadamente presa em presilha própria. A minha pochette, o meu porão, o meu armazém que me libertou os bolsos de camisas e calças de tudo o que lá não cabia.

Pouco depois de ter feito a minha compra do século recordei-me que Álvaro Cunhal tinha uma igual. Quando abro a minha e ponho-me a olhar embevecido para o tanto que lá transporto, para além dos documentos de plástico os projectos de inéditos e as frases que vou acumulando nos caderninhos de capa preta, o mundo de amigos e relações que a agenda transporta, tudo isso mais o passageiro que então foi importante, então penso na pochette de Cunhal e como deverá ter sido o seu revelar cobiçado por tantos, seus próximos ou ainda mais dos seus distantes. Talvez tenha sido a pochette mais enigmática de Portugal, contentor de segredos políticos e privados, revelações duma vida íntima que, ciosamente, sempre assim fez jus em manter. Por oposição à minha pochette que nesta folha despejei, dela dando visual alargado e, até, neste escrito que de si própria conta e fala, abrindo um dos ‘moleskines’ e contando-vos um dos seus inéditos que é a textura da sua casca, preta, em formato de pochette e cheia como contentor de emigrante para um outro mundo.

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Great Blog. I'm going to bookmark you.

quinta-feira, julho 14, 2005 1:17:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ah, ah, faltou revelares onde guardas as "pitinhas" e onde querias guardar as "petinhas" (as de uso corrente mais as de reserva) - na "pochette" ou nos bolsos?. Ou esse é o teu "mistério a la Cunhal"? João Tunes

quinta-feira, julho 14, 2005 3:35:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ninguém falaria melhor da sua "pochette" sem duvida, mas ho Gil não arranjas lá pró campera uma malita assim á tirapochete, cabe lá tudo na mesma, e se não houver espaço mandas fora o vitorinox suiço. O ABC tinha poxete??Beijos.Elsa.

quinta-feira, julho 14, 2005 6:08:00 da tarde  
Blogger Leonor said...

ola carlos
que bom ter-te a visitar-me no meu canto.

abraço da leonoreta

quinta-feira, julho 14, 2005 6:19:00 da tarde  
Blogger Luisa Hingá said...

Oi cara:
Mi expilica essa da gamela na tua pochete...:-p

Besitos marroquinos

sexta-feira, julho 15, 2005 1:58:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Dia 23, quero ver a tua "pochette"... que tanto me fez sorrir. C

sábado, julho 16, 2005 12:54:00 da tarde  

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