Devagar
"Não dá grande jeito escrever com uma agulha de soro nas costas da própria mão da caneta. Qualquer movimento mais tenso é incómodo, e os cuidados naturais que da dor advêm tornam a escrita diferente, mais lenta e com as letras-palavras desenhadas com um cuidado de que não tinha memória. A pressa está ausente porque nos traços, falem eles do que quiserem, está sempre presente a veia violada, moínha persistente com picos que são um travão físico à abstracção favorita. A este inesperado vinte à hora vai-se juntando uma imagem que se forma e que se assemelhará, pelo menos vejo-lhe semelhanças no cuidado do desenho das palavras, na lentidão das frases: estou noutro século e escrevo com uma pena de pato naquele lento desenhar de peças únicas, textos sem gémeos pois de cada um há sinais próprios identificadores feitos pela mão que aqui alonga um arabesco, ali faz um floreado diferente na mesma letra. Para além do texto, da sua 'mensagem', a forma como são escritos torna-os únicos, copiados uma e outra vez mas nunca iguais. O molhar da pena no tinteiro, antecessor natural da pausa reflexiva no matraquear no teclado de hoje, maldito autor de tanta vírgula írrita, esse beber de tinta dum para outro texto desenhado nunca era igual, imagino, e só por aí não se encontravam duas cópias iguais em desenho do mesmo texto, "bolds" sem nexo que oscilavam ao longo das frases como hoje se suspira na inacabada que dá luta, ou como eu agora numa pontada de dor com que a agulha me força a interromper uma frase"
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Não é nada de preocupante, mas entre exames e longas esperas pelos resultados e sua análise passei hoje a tarde inteira no hospital. Trata-se duma infecção urinária que será facilmente debelada com antibióticos, e recorri à assistência médica por precaução; embora sem nenhuma dor estou há dois dias a perder sangue na urina, sinal duma lesão interna. Como dei uma queda violenta recentemente (desmaiei provavelmente por quebra de tensão pelo muito calor), temi que algo tivesse avariado. Felizmente não, mas esqueci-me de pedir à simpática enfermeira que me deixasse livre a mão direita, enxada que me cava a distância sempre perfeita entre o que quero e o que não quero viver. Mesmo assim, acho que me desenrasquei e terminado o livro que comigo levava, entre um e outro esgar lá fiz o gosto ao dedo e à imaginação.
5 Comments:
É assim mesmo, mangusso valente!
Adorei o texto, independentemente das condições em que foi escrito.
Um abraço de melhoras.
José Carlos.
Eh, pá, só agora é que li isto. Grande Abraço, valente! - muf'
Retribuo a avionete cheia de beijinhos e desejos que melhores depressa...
só hoje vi o post...as melhoras.
mas que vício, podias descansar um pouco e ler em vez de escrever...
bjo
Férias, malditas férias!
Perdão Amigo, só hoje abri a NET para descobrir que algo não tem andado bem consigo.
Depois de outras faltas, mais esta.
Espero que tudo esteja bem melhor agora.
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