Constância, acto de cultura; Entroncamento, acto político
“Hoje vi e ouvi o Candidato. Não foi um ‘momento transcendental’, e até digo que nunca me sinto à vontade nestas ocasiões cheias de efes-e-erres, não é o meu mundo. É que por muito informal que o ambiente se apresente há uma solenidade latente, afinal está-se a viver um momento especial da nossa democracia, a rebeldia partidária assumida com ânimos de exercício activo de cidadanias até agora insuspeitos, vigor acalentador de esperanças, como, dê por onde der e por muito que o personagem seja e mostre ser ‘um dos nossos’, está-se em presença dum candidato a presidente do país. Em acréscimo que não é despiciendo é o nosso candidato, o meu candidato, que a tantos fez sair do conforto de concha e puxar lustro aos botins para, em Janeiro, os passos não só não se perderem em vaus de desilusões*, ou engelharem hirtos no engano sebastiânico, como serem dados com brilho que perdure para além das vãs e tristes desilusões que se (me) tornaram santo e senha. Chamo-lhe enamoradamente “acreditar”, e essa é uma alegria que já ganhei.
Tem presença robusta, o chamado carisma, e flutua na Palavra como se ela dele fosse simples maré, donde as ondas flúem num marulhar poderoso e elegante, forte e também emocionado. Ouvi-lo e vê-lo simultaneamente é acreditar-se que se está em presença dum homem sincero e bom, com uma visão clara e profunda da actualidade e das nossas necessidades, que nos olha com emoção e ternura, e – acredita-se! sente-se assim armado com o melhor exército de todos os exércitos partidários, o daqueles que dentro de si encontraram reservas do elixir que, outrora, medrou sonhos e esperanças. Não, não recuei no tempo em flashback revolucionário: lá fora chovia e todos temos consciência de que as nossas galochas têm meias-solas diluídas no agreste tempo que passa, sem que delas se preveja reforma. Sabemo-lo todos e por isso estávamos lá, junto dele, lábios sorrindo a este passo para a barca da Esperança.
A sessão em Constância, – abreviando sensações e comoções pois delas cada um sentirá as suas, foi simples e marcante. Claro que as palavras aliçadas soaram na homenagem ao maior dos nossos vates, Camões, pai da língua portuguesa como hoje a entendemos e nos encanta, como lembrou o poeta candidato. José Niza, em breve improviso, Nuno Júdice na leitura da palavra trabalhada como ele tão bem sabe, Diogo Dória emprestando a sua emoção declamatória aos versos dos Poetas e, finalmente, Manuel Alegre em pequeno mas muito sentido improviso; todos eles da Palavra fizeram preito a quem a reinventou e no-la deu na mais bela das cascatas da nossa pátria: a poética. Houve momentos em que estremeci e pensava que na sala estava mais um: ele, o poeta maior, Luís, o boémio, globetrotter de muito mais que do Mundo pois foi-o da nossa Palavra, mago mestre da nossa língua comum. Foi bonito recordá-lo e ouvi-lo, e a homenagem a quem tanto de encanto nos legou nunca soou a loatoriamente excessiva ou friamente protocolar, pois quem dele falava ama e honra o seu legado.
Manuel Alegre foi parco nas palavras em Constância. Disse as necessárias, aflorou o acto político mas sobrevalorizou o cultural. São estes toques de sensibilidade que fazem acreditar na diferença, na presença dum futuro presidente que não olhe os cidadãos só como eleitores e NIF’s, palmadinha mui solidária nas costas e aguenta-te sozinho à bronca, daqui a xis anos voltamos a desconversar... Mostrou que é um homem sensível e preocupado, e que nunca será indiferente ao outro lado das situações – maldita, maldita economia mais a visão economicista das nossas vidas que a diabolizou a quotidianos cansados de tantos céus cinzentos! Ouvindo-o, bebendo a sua visão duma presidência atenta às valias culturais que podem ser mais um húmus revigorante ao porvir nacional, em instinto ergue-se a espinha e alça-se a vista ao futuro. Sem medo, ou pelo menos com menos medos pois passa-se a acreditar que não se está só. Não se extraia que o discurso de Manuel Alegre foi extraordinário e empolgante. Não, nada disso. Provavelmente se fosse pronunciado num dos países ricos do nosso Norte e com uma plateia com únicas preocupações intelectuais, receberia as devidas palmas qb e os cumprimentos de praxe finais. Mas não foi pronunciado em Reijkavic ou em Malmoe, à beira de fiordes de escarpas forradas a superavit económico e com calmas águas sociais. A oração foi dita em Constância, olhando um Tejo minguante à medida duma terra-país seu leito, e nem as Tágides se vislumbravam para conforto de guerreiros de dias cansativamente cinzentos. E nós, portugueses eleitores que prezam pensar futuros ao seu País, fartos de beber deste fel que nos turva o viver e atormenta pensares, nós ouvimo-lo com olhos brilhantes e pensamentos desarvorados nas velas da esperança. Assim e com tais motes, as suas palavras soaram como as que mais precisávamos de ouvir, todos, um país inteiro, as únicas que aplacam o tremer involuntário quando nos pomos a pensar em amanhãs, e mais amanhãs, e mais, e mais, e mais, tantos ais de quem está cansado e farto.
O Entroncamento aterrou-me. Assim sem mais nem menos. Porque está claro que me perdi mal cheguei às rotundas. 3? 4? sei lá quantas e todas de enfiada mal entrei; por aqueles lados as autárquicas devem ser bem disputadinhas, rotunda a rotunda. Bem, lá ganhei norte, e era já noite mas ainda eram sete e dei por mim desconsolado a olhar para um restaurante com um ar gélido que metia dó. Filas de mesas postas como se aguardassem um jantar de empresa, não vi flores para pensar em casamentos. E cá fora a chuva caía miudinha num parque de estacionamento às escuras, assustador de enorme por estar vazio. Assustei-me quando me perdi nestes medos e voltei a assustar-me quando foram vencidos, e é pelo triplo susto que digo que o Entroncamento me aterrou. Pois, passada uma meia hora de divagações exploratórias dos consumismos locais, retornei à sala que, enchendo, fazia adivinhar tantos quereres para ali caminhantes e recordavam Constância como um encontro de amigos da língua e da palavra, mas ora também o sempre presente rush das multidões em mim começou a fazer estragos: eu não sou muito sociável. Estabeleci os mínimos e evadi-me, talvez inspirado por Constância poema à palavra, antes, procurei o meu canto. E aqui, como se faz nas estórias, escreve-se “durou até ao dia, até ao momento em que...”
Foi o político que esteve no Entroncamento, e não foi parco. De poucas vírgulas pois nestas ‘conversas’ todos nós sabemos do que se fala e do que se precisa falar. De que magistratura se precisa e de como se pretende exercê-la. Das esperanças que se vão tentar cumprir, e das necessidades que são tão imperiosas de vencer que delas não há tremor de hesitação ao se lhes prometer combate duro e de frente. Em suma, das razões da candidatura que lá nos levara, a tantos. Ele, o candidato poeta de Constância, mostrando que cohabita com um político experiente, também orador brilhante e de palavras hipnotizantes. Ele, antes insuspeito em lidar à vontade com mais números que aquelas contas que se imaginam os poetas fazendo às rimas – já li que se o poema nasce musicalmente belo há que passá-lo à pauta equilibradamente. Ele, candidato, no Entroncamento mostrou serem a causa pública e os seus números suas preocupações habituais e leituras não estranhas. Foi um discurso político que não teve um conteúdo intimista como o à beira Tejo, mas feito com a arte e o saber de quem domina a oratória pública há muitos anos. Prenhe dos nossos anseios colectivos. Empolgou. E se tanto me perco na forma é porque, do conteúdo, a esperança e a fé das suas palavras esvaziaram as minhas, varreram-me as letras do teclado e não sei como escrever este crescer que senti dentro do peito. Sou muito reservado e em certo não houve lágrimita a escorregar, indiscreta. Mas que as vi, las hay e houve, que isso eu vi.
Raspei-me logo a seguir à sobremesa, saí dum parque ora lotado e fiz a viagem debaixo de temporal mas invulgarmente confiante. Ainda bem, e correu tudo bem. Ainda bem que em Janeiro vamos eleger um Presidente de Palavra e das Palavras, e vai tudo correr bem. Eu acredito – estive nos dois lados, Constância e Entroncamento. Nenhum dos outros candidatos (me) fazia assim um pleno.
* Dr, teve o seu tempo. Compreenda-o, compreenda que já não empolga nem faz sonhar – recorda-se que sonhar é preciso?, e coloque tantas energias e vontades ao lado de quem consegue acender chamas que, outrora, V. Exª tão bem acendeu. Porém hoje é hoje, não é ontem. Seria magnânimo e elegante, até. Além de lúcido e politicamente correcto, para não falar em mais um favor que o país lhe agradeceria por muitas e tão boas razões: nós, V. Exª incluído, dr. Mário Soares."
20/11/2005, Constância e Entroncamento, terras belas do meu sentir.
Tem presença robusta, o chamado carisma, e flutua na Palavra como se ela dele fosse simples maré, donde as ondas flúem num marulhar poderoso e elegante, forte e também emocionado. Ouvi-lo e vê-lo simultaneamente é acreditar-se que se está em presença dum homem sincero e bom, com uma visão clara e profunda da actualidade e das nossas necessidades, que nos olha com emoção e ternura, e – acredita-se! sente-se assim armado com o melhor exército de todos os exércitos partidários, o daqueles que dentro de si encontraram reservas do elixir que, outrora, medrou sonhos e esperanças. Não, não recuei no tempo em flashback revolucionário: lá fora chovia e todos temos consciência de que as nossas galochas têm meias-solas diluídas no agreste tempo que passa, sem que delas se preveja reforma. Sabemo-lo todos e por isso estávamos lá, junto dele, lábios sorrindo a este passo para a barca da Esperança.
A sessão em Constância, – abreviando sensações e comoções pois delas cada um sentirá as suas, foi simples e marcante. Claro que as palavras aliçadas soaram na homenagem ao maior dos nossos vates, Camões, pai da língua portuguesa como hoje a entendemos e nos encanta, como lembrou o poeta candidato. José Niza, em breve improviso, Nuno Júdice na leitura da palavra trabalhada como ele tão bem sabe, Diogo Dória emprestando a sua emoção declamatória aos versos dos Poetas e, finalmente, Manuel Alegre em pequeno mas muito sentido improviso; todos eles da Palavra fizeram preito a quem a reinventou e no-la deu na mais bela das cascatas da nossa pátria: a poética. Houve momentos em que estremeci e pensava que na sala estava mais um: ele, o poeta maior, Luís, o boémio, globetrotter de muito mais que do Mundo pois foi-o da nossa Palavra, mago mestre da nossa língua comum. Foi bonito recordá-lo e ouvi-lo, e a homenagem a quem tanto de encanto nos legou nunca soou a loatoriamente excessiva ou friamente protocolar, pois quem dele falava ama e honra o seu legado.
Manuel Alegre foi parco nas palavras em Constância. Disse as necessárias, aflorou o acto político mas sobrevalorizou o cultural. São estes toques de sensibilidade que fazem acreditar na diferença, na presença dum futuro presidente que não olhe os cidadãos só como eleitores e NIF’s, palmadinha mui solidária nas costas e aguenta-te sozinho à bronca, daqui a xis anos voltamos a desconversar... Mostrou que é um homem sensível e preocupado, e que nunca será indiferente ao outro lado das situações – maldita, maldita economia mais a visão economicista das nossas vidas que a diabolizou a quotidianos cansados de tantos céus cinzentos! Ouvindo-o, bebendo a sua visão duma presidência atenta às valias culturais que podem ser mais um húmus revigorante ao porvir nacional, em instinto ergue-se a espinha e alça-se a vista ao futuro. Sem medo, ou pelo menos com menos medos pois passa-se a acreditar que não se está só. Não se extraia que o discurso de Manuel Alegre foi extraordinário e empolgante. Não, nada disso. Provavelmente se fosse pronunciado num dos países ricos do nosso Norte e com uma plateia com únicas preocupações intelectuais, receberia as devidas palmas qb e os cumprimentos de praxe finais. Mas não foi pronunciado em Reijkavic ou em Malmoe, à beira de fiordes de escarpas forradas a superavit económico e com calmas águas sociais. A oração foi dita em Constância, olhando um Tejo minguante à medida duma terra-país seu leito, e nem as Tágides se vislumbravam para conforto de guerreiros de dias cansativamente cinzentos. E nós, portugueses eleitores que prezam pensar futuros ao seu País, fartos de beber deste fel que nos turva o viver e atormenta pensares, nós ouvimo-lo com olhos brilhantes e pensamentos desarvorados nas velas da esperança. Assim e com tais motes, as suas palavras soaram como as que mais precisávamos de ouvir, todos, um país inteiro, as únicas que aplacam o tremer involuntário quando nos pomos a pensar em amanhãs, e mais amanhãs, e mais, e mais, e mais, tantos ais de quem está cansado e farto.
O Entroncamento aterrou-me. Assim sem mais nem menos. Porque está claro que me perdi mal cheguei às rotundas. 3? 4? sei lá quantas e todas de enfiada mal entrei; por aqueles lados as autárquicas devem ser bem disputadinhas, rotunda a rotunda. Bem, lá ganhei norte, e era já noite mas ainda eram sete e dei por mim desconsolado a olhar para um restaurante com um ar gélido que metia dó. Filas de mesas postas como se aguardassem um jantar de empresa, não vi flores para pensar em casamentos. E cá fora a chuva caía miudinha num parque de estacionamento às escuras, assustador de enorme por estar vazio. Assustei-me quando me perdi nestes medos e voltei a assustar-me quando foram vencidos, e é pelo triplo susto que digo que o Entroncamento me aterrou. Pois, passada uma meia hora de divagações exploratórias dos consumismos locais, retornei à sala que, enchendo, fazia adivinhar tantos quereres para ali caminhantes e recordavam Constância como um encontro de amigos da língua e da palavra, mas ora também o sempre presente rush das multidões em mim começou a fazer estragos: eu não sou muito sociável. Estabeleci os mínimos e evadi-me, talvez inspirado por Constância poema à palavra, antes, procurei o meu canto. E aqui, como se faz nas estórias, escreve-se “durou até ao dia, até ao momento em que...”
Foi o político que esteve no Entroncamento, e não foi parco. De poucas vírgulas pois nestas ‘conversas’ todos nós sabemos do que se fala e do que se precisa falar. De que magistratura se precisa e de como se pretende exercê-la. Das esperanças que se vão tentar cumprir, e das necessidades que são tão imperiosas de vencer que delas não há tremor de hesitação ao se lhes prometer combate duro e de frente. Em suma, das razões da candidatura que lá nos levara, a tantos. Ele, o candidato poeta de Constância, mostrando que cohabita com um político experiente, também orador brilhante e de palavras hipnotizantes. Ele, antes insuspeito em lidar à vontade com mais números que aquelas contas que se imaginam os poetas fazendo às rimas – já li que se o poema nasce musicalmente belo há que passá-lo à pauta equilibradamente. Ele, candidato, no Entroncamento mostrou serem a causa pública e os seus números suas preocupações habituais e leituras não estranhas. Foi um discurso político que não teve um conteúdo intimista como o à beira Tejo, mas feito com a arte e o saber de quem domina a oratória pública há muitos anos. Prenhe dos nossos anseios colectivos. Empolgou. E se tanto me perco na forma é porque, do conteúdo, a esperança e a fé das suas palavras esvaziaram as minhas, varreram-me as letras do teclado e não sei como escrever este crescer que senti dentro do peito. Sou muito reservado e em certo não houve lágrimita a escorregar, indiscreta. Mas que as vi, las hay e houve, que isso eu vi.
Raspei-me logo a seguir à sobremesa, saí dum parque ora lotado e fiz a viagem debaixo de temporal mas invulgarmente confiante. Ainda bem, e correu tudo bem. Ainda bem que em Janeiro vamos eleger um Presidente de Palavra e das Palavras, e vai tudo correr bem. Eu acredito – estive nos dois lados, Constância e Entroncamento. Nenhum dos outros candidatos (me) fazia assim um pleno.
* Dr, teve o seu tempo. Compreenda-o, compreenda que já não empolga nem faz sonhar – recorda-se que sonhar é preciso?, e coloque tantas energias e vontades ao lado de quem consegue acender chamas que, outrora, V. Exª tão bem acendeu. Porém hoje é hoje, não é ontem. Seria magnânimo e elegante, até. Além de lúcido e politicamente correcto, para não falar em mais um favor que o país lhe agradeceria por muitas e tão boas razões: nós, V. Exª incluído, dr. Mário Soares."
20/11/2005, Constância e Entroncamento, terras belas do meu sentir.
3 Comments:
Giruuu! Mas em que é q votas?
Eu tb se calhar voto no MA, pq gosto da voz!
Texto extraordinário, por bem escrito e pela leitura que faz. Lê-se Verdade no olhar independente que a escrita revela. Parabéns, muito sinceros.
Vi que já é um Autor; pois digo mais: é de facto um Escritor, em nada inferior aos melhores cronistas cá da praça.
JCM
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