Xicuembo (versão 3.0)

memórias & resmungos do Carlos Gil

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terça-feira, novembro 22, 2005

Os vrum-vrums: o "amarelinho"

Quase que o poderia considerar como o meu primeiro carro em Portugal, não fora antes uma rápida passagem por um VW Bettle exactamente da minha idade, a 6 volts e com um pau para medir a gasolina no depósito. Mas se esse tem pormenores por historiar são para maiores de 30, e rodados.

"o amarelinho" foi uma das minhas primeiras remunerações como aquele outro lado que sou. O pai do Mário, o sr. Amílcar Rebelo, um castiço de primeira apanha e que era irmão do dr. Jaime que teve um programa no Rádio Clube de Moçambique chamado “A Palavra é de prata” e também foi dono dum colégio lá para os lados da antiga Av. Massano de Amorim, LM, teve a infelicidade de morrer. Havia saias de voltas posteriores às originais (era um fiel, um aficionado!) e tinha de haver partilhas. Ora nos bens estava o amarelinho, um Datsun 1200 da cor do crisma e de volante ao contrário, "à LM"... E cá o mangusso, que então andava de Casal Boss, a olhar para ele, pois está claro. Enfim, lá lhes fiz as partilhas e depois houve a conta, as chatas das despesas e os famosos honorários. Pois não é preciso adivinhar muito... trouxe as chaves do 'amarelinho'. Carta de condução claro que não havia (os papéis são uma chatice e em casa de ferreiro a malta sabe que o espeto nunca é seguro) e o amarelinho era a menina dos meus olhos. Bem, uma maravilha: para ultrapassar era uma alegria pela emoção de “jogar às escuras”, e na cidade não raras vezes via caras espantadas por não verem ninguém no lugar do condutor e um gajo com cara de alucinado no lugar do pendura. Até aqui compreenderão que o recorde com saudade legitimada...

Meti-lhe um autocolante da tal discoteca espanhola com a gaja de chapéu, assim como umas letras em autocolante cortado por mim com as minhas iniciais, preto baço, mais uns extras de tuning de hiper mercado (até tinha ventoinha!), enfim, o amarelinho parecia uma extensão da feira de Almeirim. Até que um dia me disseram que o carro, na auto estrada, passava pela humilhação de ir desde Aveiras até Lisboa ao despique com um Fiat 126 e, ai ai, já em extremis e junto às bombas da GALP na 2ª Circular é que a coisa se safou para o nosso lado, enfim, que era também pelo excesso de peso que passávamos por tais vergonhas, e lá se foi o tuning em apressada cura de emagrecimento. Pois havia por ali traquitana de toda a espécie, bússolas, lanternas para ajudar a ver mapas, a tal ventoinha, suporte para maço de tabaco, antena de dois metros, uma bilha daquelas de cheiro, um emblema do Belenenses pendurado no espelho, um boneco das Cerci's que têm uma fitinha pendurada, e, claro, la créme de la créme, pedais em alumínio. Não andava nada, até porque o radiador perdia água, mas tinha boa brecagem, valha-se... além do aspecto que V.Exªs imaginarão e vos faz roer de inveja, a mim a apelar a uma lágrima e um sorriso de saudade.

Mas a melhor com o 'amarelinho' ainda não foi contada. Bem, uma vez uma porta da frente avariou e não fechava. Eu, na altura, coleccionava ferramentas. Ia às lojas dos '300' e vinha de lá com sacadas de tudo e mais alguma coisa e até por catálogo as comprava. Parecia um construtor civil. Tinha coisas que não sabia como trabalhavam, outras de utilidade tão improvável como uma serra apta a trabalhar em Yellowstone, um machado grande e um pequeno, um pulverizador para curar árvores, etc etc. Fio eléctrico, chaves disto e daquilo, uma alegria. E dois tornos, lembro-me bem. Portanto fui equipar uma caixa com ferramentas (tinha duas) e fui-me a ele. A Paula ia espreitando pela janela da sala: morávamos num 2º andar, Santarém, e o carro estava mesmo ali em baixo. Desforrei a porta e tudo. E não consegui soltar o fecho que estava preso e não permitia que a porta se fechasse. Assim fui experimentar o funcionamento da do outro lado, luminosamente esperançado em, por cópia, resolver o caso bicudo e desimpedir o passeio que parecia um local de assistência dum rali.

Aqui começo a corar.... a outra ficou igual! E agora? e ela, Paula, lá em cima à janela, que ia dizendo e repetindo "ó Carlos deixa isso! é melhor chamar-se um mecânico, tu vê lá...", etc, as coisas sem jeito que as mulheres se lembram de dizer para amesquinhar o nosso brilho e orgulho macho. Bem, mais uma caixa de ferramentas para o passeio e passei a atitudes mais drásticas... já quase que ia à martelada e eu suava.... até que me ‘passei dos carretos’ e disse-lhe assim mesmo que, se não ia a bem e com a finíssima tecnologia do meu arsenal de ferramentas de precisão, ia a mal e com uns valentes empurrões a puta da porta ia fechar-se, ai ia ia.... E vou-me a ela, e ela cede a encontrões e golpes de cu, entra bem aconchegadinha com o ‘calor’ que levou, a Honra está salva! Mas há leis da física sacanas, é o que vos digo e já conto.... o volume do ar forçado para o interior com o empurrão que a porta levou faz a outra porta abrir-se, assim a modos que suavemente, coisa filha-da-puta mesmo, tipo um humilhante peidito que me fazia desesperar... Senão reparem: fecho uma mas abro a outra... dou a volta e acontece o mesmo... e repeti, e repeti... bate dum lado, peida-se do outro... vou-me a ela, abre-se a do outro lado.... Só percebi o buraco em que a minha vidinha estava a cair quando ouvi um riso abafado e olhei para a janela, e a vi a ela, perdida de riso, amoitada a vigiar o espectáculo. O traumatismo psicológico resultou em que hoje vejo-me à rasca para encontrar cá por casa um simples busca-pólos.

Estava eu assim, já descamisado e passado de todo, a fazer figuras tristes com o meu amarelinho, quando me visita o Costinha, um gajo que é da Beira (tocava lá num conjunto, 'Os Romanos') e que vive aqui numa quinta dos Paços Negros, bem perto. Pois o bom do Costinha vê-me naqueles preparos, apieda-se do seu amigo, pergunta e olha, e trás trás. .... Com um único dedo e um sorriso de sacana resolve o problema, mais a puta da porta – que já eram duas! que não fechava de maneira nenhuma. O fecho que estava preso, o tal (grrr!!!), soltava-se simplesmente fazendo nele pressão para cima, fazia clic e pronto, ficava solto! A minha cara, vocês imaginam não é? o passeio cheio de ferramenta espalhada por tudo o que era sítio, uma porta com as tripas à mostra e já com a almofada com marcas de encontrões, eu descamisado, a Paula a rir-se armada em sacaninha, e o bom do Costa - com 1-um-1 dedo resolve o problema!

Esse 'amarelinho' foi fixe. Corri seca e meca com ele, Nazaré, Foz do Arelho, Lisboa pargas de vezes, foi uma maravilha. Quando o troquei até andava a pensar em pintar-lhe umas faixas pretas longitudinais e não alinhadas com o centro, duas paralelas. Ia ficar bem porreiro. Mas depois troquei-o num stand por um AX, mais uma data de aventuras, até porque a minha história com esse stand é de antologia. Se arranjar maneira de a contar sem quebrar segredos profissionais, contem com ela. Mas aqui, fase do AX, parece que já tinha carta, não me lembro bem mas acho que vivia em pleno uma fase de legalidade na minha vida.

1 Comments:

Blogger Luisa Hingá said...

Não penses que não te leio...até imprimo 1º. pq textos sem espaços custam-me a ler.... ou entonces é de estar habituada a ler no suporte papel...
Bejocas

quarta-feira, novembro 23, 2005 12:57:00 da tarde  

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