Xicuembo (versão 3.0)

memórias & resmungos do Carlos Gil

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carlosgil2006@gmail.com

quarta-feira, junho 29, 2005

Há estrelas em todos os céus

As mãos desceram e contornaram os seios, com suavidade e tacteando texturas, a consistência do desejo; logo os apertaram, ávidas e possessivas, os dedos roçando e estimulando os mamilos que emergem erécteis e despertos para o prazer animal dos sentidos soltos na noite em que dois fazem um. As línguas dançam o bailado da paixão, gulosas de sabores na descoberta mútua, e os dedos dela cravam-se nas costas musculadas do amante, as suas mãos descem até às nádegas e sentem a força da sua massa muscular pronta a investir o aríete, que treme de ansiedade contra o seu corpo, ambos alheios a tudo e sequiosos pela cópula. Ela agora beija-lhe os ombros ossudos e ele lambe-lhe o pescoço fazendo-a estremecer, as línguas percorrendo as peles eriçadas de animais em fogo-cio, ora contornando a orelha, ora mordiscando o lóbulo e fazendo-a gemer de luxúria, a mão dela descendo e encontrando, agarrando em firme carícia, sentindo o calor macho em toda a sua altiva e ansiosa potência, os corpos já húmidos pelos fluidos segregados pela paixão. No céu uma estrela brilhou de forma especial quando as duas sombras se fundiram em gemidos, e nos olhos dela o verde adquiriu matizes selvagens e dos lábios escaparam-se-lhes as palavras nuas do desejo à solta, carne na carne, prazer, ternura, e há harmonia de viver no ritmo íntimo que as nádegas marcam, finda a hibernação de desejos. Há um hino primitivo, rude no frenético descontrolado em que se apalpam, se sentem, e que soa finalmente em rugido animal na ara por eles santificada do verde que a noite encobre.
Dormiram, as pernas e os braços e os cabelos e os sonhos entrelaçados, almas saciadas e os corpos com um brilho de pele especial, como que recém-nascidos e limpos das sevícias da vida. Com o nascer da luz a estrela sumiu-se e os corpos separaram-se, os músculos de ébano dele a caminho da plantação onde mais uma jornada de cesto às costas logo se iria iniciar. O curvilíneo voluptuoso dela, alvo e radiante, correu pela savana ao encontro da casa do capataz, rumo a uma janela aberta para um outro mundo, silencioso e sem o brilho único da noite.

I'm back

Após luta épica e que deixou sequelas nos arquivos, o bicho foi derrotado.
Brevemente o blogue retomará a sua velocidade de cruzeiro, ou seja 'devagarinho'; é que tenho montões de trabalho atrasado e há prioridades naturais.
Até já.

domingo, junho 26, 2005

#ulçq6%7p@net.com

Como todos vocês aprecio e mantenho um zoo informático. É que viver sem um ou dois vírus... já não tem piada.
Mas ontem entrou por aqui dentro um que é fera, já comeu ficheiros e pastas, e desde hoje de manhã nem sequer liga o pc. Consultado um feiticeiro este aconselhou-me a dedicar-me à estiva e deixar o tratamento dos bichinhos a quem disso faz mister e tem arte.
Acontece que a Theo, vinda do Puerto, Carago! resolveu em bom momento de inspiração aportar aqui na lezíria e, trazendo com ela o meu afilhado, o 'Kanito', sirvo-me desta miniatura para comunicar o reboliço que por aqui anda no quintal.
Amanhã levo o tipo ao veterinário e não sei se lá fica muito ou pouco tempo. Cada dia, cada hora, vai ser de dores de dependente na ausência do seu bálsamo, do seu oxigénio de existir.
Bem, até breve, espero que muito breve.

sábado, junho 25, 2005

Sou 'branco'?

Rodrigo Moita de Deus, no seu sempre recomendavel Bazonga da Kilumba escreve sobre a idiotice da "pureza da raça".
Eu leio, e só posso concordar. E aqui fazer eco, que se isso da cor da pele é tão importante e a alguns lhes dá tanto orgulho serem às listinhas e não às bolinhas, torna-se difícil de entender a razão da barriga cheia de ar, quando debaixo do (seu) embrulho só se avista a mais rasca e anormal boçalidade.

sexta-feira, junho 24, 2005

Cumpri a Promessa

Foi segredada em chope e tsua de Inhambane, em chuabo da Zambézia e nhanja do Niassa, em ronga do Maputo e também em maconde de Cabo Delgado, em macua do Niassa, de Nampula e ainda daquele Cabo Delgado, ndau de Manica e de Sofala, changane de Gaza e em sena dessa Sofala, no chinungue de Tete, até no português das cidades. Foi assim que a Promessa nasceu, sussurrada de avós a filhos e de filhos a netos, narrada sob estrelas nos terreiros das aldeias e no chilrear do silêncio de caniço das ruidosas e estranhas cidades.

Espalhou-se de ouvido em ouvido, o testemunho dela voou de norte a sul e um país nasceu no multilingue sonho de existir. Construiu-se nos avoengos anseios suspirados do adeus ao presente que exala odores maus, de passado, das más memórias em que esse diário é conivente. Assim nasceu a Promessa. De Norte a Sul, do Rovuma ao Maputo como o seu cidadão número Um um dia diria, a Promessa foi-se espalhando, os filhos e os netos incorporam-na, amando-a, ela sendo nhamussoro, mufendi, exorcista de medos e de tantas, tantas privações que a ordem das caravelas impôs e ainda perdura.

A Promessa de ser-se livre. A Promessa de se ter uma pátria sem máscara e bandeira importada do Norte altivo e gélido, pilão implacável que diariamente mói almas e vontades, sem o afago da chirugo ou do mugoti na chicari onde o povo faz a matapa e prepara o nhame. A Promessa de ser um país independente, uno, cantado em macua ou ronga, ndau ou changane.

Aconteceu. Foi-se a bandeira duma unidade que era fictícia do Minho a Timor e ficou a língua una, nhanga de unidade. Que hoje faz anos, faz anos que a Promessa foi cumprida. De orelha em orelha, soando nos tambores das planícies ou nos becos das cidades, nas pausas que a noite africana avoca, a Promessa vinculou-se e foi selada e é cumprida em português. Abençoada herança, que livre de farda colona lê-se unidade.

Junho, vinte e cinco, há trinta anos atrás. Cumpriu-se a Promessa, e Moçambique livre e adulto nasceu.
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Glossário:

Chicari: panela feita em barro;
Chirugo: colher de pau
Chope, tsua, chuabo, nhanja, ronga, maconde, macua, ndau, changane, sena, chinungue: dialectos locais de várias regiões moçambicanas, especificadas no texto;
Matapa: alimento rural tradicional;
Mugoti: pau trabalhado para uso no pilão (duri); também chamado de mussi;
Nhame: carne;
Nhamussoro; mufendi: exorcista de religiões tradicionais africanas;
Nhanga: curandeiro, médico, cientista e adivinho.

quarta-feira, junho 22, 2005

Um salto na memória

A Theo, da Sebenta anda a visitar esquinas da infânciae da adolescência, e levou a máquina fotográfica. E claro que levou o novo portátil (mostrou-o há tempos, aqui na net) e, onde pára, mete post com fotos e promete relato circunstanciado para depois.
A acompanhar, diariamente. Até pela expectativa de quando é que ela começará a escrever...

terça-feira, junho 21, 2005

Festas cá da city

Moro a uns infelizmente meros cinquenta metros do local da festança. Para além de, se tiver de sair de carro após as sete e meia/oito da noite no regresso já só o voltar a estacionar a mais dum quilómetro, todos os serões gramo com um festival de barulho que me reduz os nervos a cordas de piano.
Hoje tenho o Tony Carreira, ontem foram duas bandas rock, antes fora o Dany Silva. Ainda não olhei para o calendário mas calculo que durará esta semana toda.
Vocês não têm pena de mim?

A palavra de prata

A apresentação do meu livro, pela voz do Guilherme de Melo e nas suas palavras de prata, humedeceu muitos olhos entre os quais os meus. Deixo-o aqui, e abdico de mais qualquer comentário:

“Algumas palavras sobre “XICUEMBO”

Não sei se estão lembrados daquela frase mágica com que abre a saga que George Lukas criou e se chama “A Guerra das Estrelas”. “Há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante…” Exactamente.

Pois bem: quase me apetece dizer o mesmo a propósito do tempo dito colonial e tudo quanto o envolve. É assim, de facto, que a novíssima geração dos portugueses pensa quando dele ouve falar. Coisas que se passaram há muito (milénios, com certeza) em estranhas terras, com estranhas gentes. Como que numa galáxia muito, muito distante…

A verdade é que a literatura pós-25 de Abril não tem sido pródiga no que respeita a este tema. Não são muitos os escritores que nestas últimas três décadas se dispuseram a escrever acerca da vida que caracterizava o quotidiano nas antigas colónias de África. Mesmo sobre a guerra que as libertou – e que, quer se queira quer não, marcou de forma decisiva a sociedade portuguesa – não são muitas as obras vindas à luz do dia, como se pairasse ainda sobre a nossa criação literária uma espécie de vergonha, um anátema, um fantasma que tarda em ser definitivamente exorcizado. Quanto mais sobre o tempo que a antecedeu.

Bastaria, pois, o facto de “Xicuembo” ser um livro sobre esse tempo e, mais importante ainda, escrito por alguém que directamente o viveu, para fazer desta obra de Carlos Gil motivo para, de imediato, nos prender a atençaõ e o transformar num caso de leitura obrigatória em termos de grande público. Isto é: não só para quantos nas antigas colónias nasceram ou viveram, mas igualmente para todos aqueles que aqui nasceram e nunca de cá saíram e que assim terão uma oportunidade ímpar de saber o que foi de facto esse tempo que passou, que ninguém, naturalmente, lá ou cá, deseja que regresse (o tempo só volta mesmo para trás na cantiga do António Mourão, não tenhamos ilusões…), mas que é bom saber-se como era, como foi, o que significou e representou. De bom ou de mau, naturalmente.

Importa, antes de mais, sublinhar que o livro de Carlos Gil não é um livro saudosista – embora seja um livro de saudade. Saudade do cheiro bom da terra molhada depois que sobre ela tomba, como um rufar violento de tambores, a chuva quente de verão. Saudado do céu tinto de anil e fogo pelo Sol a desaparecer na linha do horizonte, como só mesmo em África acontece. Saudade do espaço aberto, da lonjura dos tandos infindáveis por onde o boi-cavalo galopa. Saudade do odor a maresia nas manhãs translúcidas da Polana ou Bazaruto. Saudade, sobretudo, da camaradagem simples e desinibida nascida entre as gentes, forjada no dia a dia da rua, das esplanadas, nos bailes das associações, nos jogos a céu aberto e campo raso. Algum dia os que nunca lá nasceram ou viveram poderão saber, conseguirão entender, o que isso é?

Mas o livro do Carlos Gil tem ainda outra particularidade notável. Muitas vezes, estes livros de memórias acabam por se tornar enfadonhos, para quem os lê, pela simples razão de que, quem os escreve, os faz duma forma que só a eles interessa. Ele não. Cada facto que relata, cada episódio que evoca, cada passo que recorda, é sempre, para o leitor que para estas páginas se debruça, uma deliciosa e apaixonante viagem por um mundo que não é só dele – mas de todos os que, como ele, um dia foram crianças, adolescentes, jovens, se fizeram homens e mulheres. Para todos os que, como ele, tiveram uma infância marcada pelos medos nocturnos, logo depois pelos húmidos sonhos que irão descambar no tempo do enamoramento e paixão, que deixaram a vida correr ora mansa e dolente, ora dorida, impetuosa, até ao momento decisivo em que, de repente, nos apercebemos de que não somos mais nós próprios que cavalgamos o corcel do destino, mas tão somente ele que consigo nos arrasta. É essa dolorosa oficina de viver que o livro de Carlos Gil reflecte e representa.

É evidente que, para quem nasceu em Moçambique ou ali viveu, ele tem um significado e um sabor redobrados, na medida em tudo lhe é – nos é – familiar: o Polana e o Scala, a Malhangalene, o palmar e a Beira, o céu abafadiço dessa Quelimane opulenta, o feitiço da velha ilha histórica, lá ao norte, a vastidão de Pemba, o mistério do planalto maconde. Essa é a carne, o sangue, os nervos subjacentes a todo esse pormenorizado relato de uma vida – a sua – exposta, contada, revelada e desnudada em toda a sua verdade e minúcia, como um espelho mágico no qual, mais do que simplesmente estarmos vendo nele reflectido o seu dia a dia nesse tempo e nessa hora, se reflecte afinal o tempo e a hora que também foram a hora e o tempo que nos marcou.

O’Neill dizia que nós, portugueses, temos muito a tendência para “contar a vidinha”, como se ela pudesse afinal interessar aos demais. Só que o Carlos Gil não teve, seguramente, apenas essa preocupação: a de contar a sua “vidinha” – mas, sim, a de contá-la de modo que ela simbolizasse a vida que, dele ou de qualquer um de nós outros, se viveu num tempo e numa hora que não mais poderão voltar, mas que importa que fiquem como um testemunho. Ou como um testamento às gerações que nos sucedam. E esta é também outra das razões – talvez mesmo a maior de todas – porque acho que valeu a pena tê-la escrito e publicado.

Como já disse, não abundam, na nossa literatura mais recente, os livros que documentem a época colonial, sobretudo a de duas ou três décadas que precederam o despertar em força, dessas então ainda colónias, para a sua libertação de forma a emergirem como nações soberanas que hoje são. Carlos Gil teve a coragem e o desassombro de trazer a lume a sua estória, contribuindo assim para que essa lacuna comece rapidamente a desaparecer. Com verdade, acima de tudo com verdade. Sem dourar pílulas nem esbater sombras. Mas também sem negar claridades onde elas de facto existiam. Os testemunhos, quando autênticos, quando sentidos e reais, valem por si mesmos.

“Xicuembo”, todos nós o sabemos – e quem lá não nasceu ou viveu um dia é bom que o fique a saber – é uma daquelas palavras africanas sem tradução possível no linguarejar europeu. Porque sendo Deus, é feitiço; porque sendo o omnipotente é também mistério que aterra, o segredo que envolve, a praga que se abate, o sonho que embala. O sortilégio que marca.

Que outro nome poderia ter este livro, Carlos Gil, senão este mesmo?

GUILHERME DE MELO
Lisboa, 18 de Junho de 2005

domingo, junho 19, 2005

Obrigado

Pudera eu ter-me enfiado num buraco que por lá houvesse - que pena o lançamento não ter sido no Marquês!..., e ninguém mais me punha a vista em cima. Calinadas, 'brancas', trocas de nomes, letra ilegível, dedicatórias sem lógica, água a acompanhar chamussas... que mais dizer? Só uma coisa: vocês salvaram o 'meu' momento. Vocês que o possibilitaram com o vosso apoio fiel, e tantas e tantas vezes injustificado a não ser pela Amizade.
Por razões editoriais e excesso de ego na capa do livro tem um nome, 'Carlos Gil', um nome virtual. Na ficha técnica verdadeira, sabem que estão todos presentes.

sábado, junho 18, 2005

de repente

O livro, a festa, eu, tudo se tornou secundário com a alegria que recebi, embora manchada um niquito mas isso também é crescer, e ele percebê-lo-á. Amanhã conto, agora vou aproveitar todos os minutos, olhar para a vida da minha vida que, em coincidências inexplicáveis, voou milhares de quilómetros e, sem aviso, surgiu aos meus olhos radiantes com a verdadeira prenda que eu poderia hoje, ontem, qualquer dia, desejar. Tenho o meu filho comigo, porra não resisto a contá-lo. E que se lixe o livro (calma, eu vou lá e ele, eles, todos os meus filhos estarão ao meu lado), é aqui no meu blogue que quero partilhar esta grande, enorme, alegria que me tomou.

"... tu a ensinares-me a olhar"

Hoje é dia de agradecimentos. Que nunca poderão ser completos, tanto que temo a voz fraca e a vontade de esconder-me num buraco.
Haverá os 'protocolores', a S.Exª por isto, ao Sr. Drº por aquilo, mais "a todos os que blá blá blá". Nessa parte acho que me desenrasco. Mas há o principal deste acto devido de agradecer e lembrar apoios, mãos no ombro e até raspanetes, e é aqui que vou tentar.
O livro não tem dedicatória expressa mas há duas que é de justiça fazer:
- a primeira é para o meio milhão (mais caixote menos coisa) de "retornados" de Moçambique (detesto esta palavra: ganhou conotações que me incomodam, e com as quais nem eu nem muitos e bons milhares se identificam), a tribo de luso-moçambicanos com quem a História foi inclemente, no seu rolar imparável mas cego. Recomeçar abruptamente a vida, famílias inteiras, em terra para quase todos estranha e em ambiente e momento que não lhes eram propriamente amigáveis, não foi nada fácil. O meu livro, se não deita um olhar piedoso ou desculpabilizante sobre as condições políticas que foram alimentadas pela passividade da população colonial ao status, também pretende ser um olhar terno sobre essa multidão anónima que, hoje e passados trinta anos - uma vida! ainda traz Moçambique no coração. A grande massa era 'colono', e assumia postura típica, sem se dar conta consciente da injustiça que praticava com os seus irmãos moçambicanos negros. Sim, por comodismo. Sim, porque era benificiada com o sistema. Mas, ressalvadas as situações de radicalismo insensato e extremo, no seu grande global a sua praxis diária não alinhava com a visão dos 'falcões' do regime, os fascistas e colonialistas ideológicamente assumidos que contaminavam toda a sociedade moçambicana com o esterco político que debitavam. Há que separar águas, como soe dizer-se, e reconhecer que a sociedade urbana moçambicana dos anos 70's tinha claras e visíveis manifestações expontâneas contra a esclerose anti-democrática e fascista que o Estado Novo impunha, lá com o horrível adicional do colonialismo. Para eles, portanto, o meu primeiro Abraço em livro;
- a segunda é uma dedicatória muito pessoal. Ao meu Amigo Luís Garcia de Brito, prematuramente falecido quando ainda tinha tanto de si a dar aos seus filhos e, até, à sociedade moçambicana a quem sempre se manteve fiel. O Luís foi o meu Amigo de adolescência - como todos tivemos um, o confidente, o companheiro de alegrias e patifarias, de colega de escola passou a colega de trabalho e até partilhamos dois apartamentos na velha e já final LM, quando os vazios já eram tantos que era só escolher qual é que mais nos agradava arrendar. Eu vim-me embora e o Luís ficou. Foi empreendedor, 'empresário' como se costuma dizer, dizem-me até que deixou bom pé-de-meia quando faleceu inesperadamente num acidente de viação na Suazilândia, aonde tinha acompanhado a selecção nacional de futebol para cobertura dum novo jornal desportivo que estava a lançar. O desporto para ele era tudo, foi jogador de hóquei dos escalões jovens do Clube Ferroviário de Lourenço Marques e, até, por essa equipa foi vice-campeão de Portugal em juniores, quando ainda tinha idade de juvenil. Na altura da Independência foi integrado na selecção nacional e foi dele um dos golos contra a equipa da Holanda no torneio celebrativo, salvo erro no jogo realizado em Quelimane. Mais tarde jogou em mais clubes com destaque para o Costa do Sol, mas foi como dirigente e empresário desportivo que deixou a sua marca e imagem, desde torneios de futebol de salão ao que agora vou passar a contar. Era proprietário da empresa Sobec que, por si e sem os tais patrocínios estatais que cá são precisos para tudo e mais alguma coisa, organizou, custeou desde equipamentos a transportes, um torneio de futebol infantil que pôs centenas de miúdos de pé descalço a jogar por toda a cidade, depois com eliminatórias provinciais e, pelo menos num ano e com o apoio duma companhia aérea, a campeã veio a Portugal disputar o Torneio Internacional da Pontinha onde, imagine-se, chegaram a empatar com o todo-poderoso Benfica. O "Torneio da Sobec", algo prático e não coisa de discursos, e algumas das fotos que se podem ver no link acima mostram o reconhecimento de políticos moçambicanos do mais alto nível pelo trabalho aí desenvolvido. O Luís era assim, a morte levou-o ainda tão jovem e com tanto, tanto de bom, para fazer. Soube da morte dele por puro acaso, mas mal comecei a ler a notícia dum funeral que tinha chocado a sociedade de Maputo, na última página do diário de café, na bica matinal duma certa manhã de início deste século, ainda não lhe tinha lido o nome e já o meu coração chorava - sentia que era ele. Era, era o Luís que tinha morrido, e fiz então a associação com a notícia que os nossos diários desportivos tinham dado dum acidente muito grave na ida da selecção de Moçambique à Suazilândia, mas onde não se referia o nome da vítima mortal, pois dos jogadores nenhum tinha, felizmente, falecido. Este livro dedico-o em segundo lugar ao Luís de Brito, exemplo que me fazia consumir de inveja quando pensava que ele tinha ficado 'lá', e eu desertara vindo para 'cá'. Luís, serás para sempre meu Irmão, e tantas páginas que escrevi pensando em ti.
Agora falemos do tanto que há a contar em como o meu livro nasceu, e o tanto que dele devo a tantos. Evitarei as referências pessoais, todos e cada um sabem que estou a mencioná-los.
Tal como o 'Carlos Gil' é virtual e sem correspondência real que ultrapasse o momento que já se aproxima, o 'Xicuembo' nasceu como livro virtual, embora hoje venha por certo a cheirar a tinta fresca, bem real.
Tudo começou como habitualmente é: mero acaso. Eu atravessava uma fase tão complicada da minha vida que, para me reconstruir e ganhar um mínimo de auto-estima até escreveria - já o disse a mais dum amigo, sobre os pólos e os esquimós. Quis a minha sorte que tivesse descoberto os sites luso-moçambicanos, Grupos MSN, as 'comunidades' virtuais como gostam de ser chamados, e melhor musa não poderia ter-me acontecido, desculpem lá o lugar comum mas que aqui cai que nem ginjas. Inscrevi-me no primeiro na única intenção de gamar fotos da 'minha cidade', pouco a pouco fui lendo as mensagens que são trocadas entre os participantes, respondendo a algumas e, quando dei por mim, escrevia memórias e trocava piropos ou metia-me em brigas, que nem um desnorteado. Envolvi-me, nasceu o 'Web'. Hoje, não tenho a contabilidade lá muito bem actualizada mas deverei estar inscrito em bem mais de trinta, sendo até já titular, 'gerente', de dois temáticos; até estou inscrito numa 'comunidade' angolana, confidencio, para melhor se perceber o meu envolvimento.
Foi aí o verdadeiro início do projecto e sonho de escrever um livro. Lá, 'comunidades', fiz amigos que hoje me são indispensáveis tal como o Luís foi carne da minha própria. Lá recebi e ganhei estímulos, lá bebi a tinta que escreveu a maioria das 144 páginas encadernadas, além das mais dum milhar que tenho guardadas, por burilar. Lá nasci.
Depois houve o blogue, em versão 1, onde sou confrontado com um nível de exigência de escrita superior, onde descubro o verdadeiro mundo virtual português, o mundo dos blogues onde tantas e tão boas letras se lêem, como virei pouco a pouco a descobrir, fascinado pelo que lia doutros e sensibilizado por apoios e estímulos de peso de pessoas que me eram completamente anónimas. Algumas ainda o são, mas tenho esperança em, para alguns, daqui a pouco essa lacuna também ser deixada para trás. O que é um blogue? para mim foi tudo, nele e com uma liberdade de tema que só quem neles escreve pode conhecer - total!..., nele, então, eu cresci. E o livro começou a ser sonhado com mais força, os 'posts' começaram a ser guardados para depois serem aperfeiçoados, eis a segunda e decisiva fase de gestação. O blogue foi a consolidação do meu livro, se nos Grupos bebi a tinta, as folhas são todas do mundo dos blogues.
O resto já podem adivinhá-lo. Consegui enganar um editor, que, vá-se lá saber porquê, engraçou com a leitura do 'manuscrito' que uma amiga, das tais nascida nas 'comunidades', lhe levou. E hoje nasce: eu ainda não o vi, estou tal e qual como vocês pois só lhe conheço a foto da cara mas nunca lhe senti o cheiro, o folheei, o olhei nas mãos para poder acreditá-lo como, de facto, real.
Ao mundo das 'comunidades' virtuais e ao mundo do bloganço, o indispensável agradecimento de quem reconhece que, se não me tivesse com eles cruzado, o livro não existiria ou, pelo menos, estaria numa fase tão imberbe que nunca passaria dum projecto de ser.
Há um agradecimento especial que terei de referir, embora quase íntimo devo publicá-lo: a minha família. Diz ela, a minha cúmplice, que o criador é um egoísta e por tal sujeita quem o rodeia aos seus maus humores, condiciona rotinas e monopoliza espaços que 'antes' eram familiares. Certo, certo, certo. Eu sou um criador sendo proto-autor, e a minha família ressentiu-se e sofreu com a metamorfose. Houve choques mas, acima de tudo e para nunca ser olvidado em branca imperdoável, houve confiança e cedência de 'espaço', tive a liberdade que reclamei embora tanta e tanta vez com sacrifício da dela. Este é o meu agradecimento final, e a ordem dos factores é arbitrária para tornar ainda mais injusto um nome numa capa que, visto a justa lupa e relido o escrito, deveria ser tão Plural.
Esta é a História do meu livro, e este é o discurso que eu nunca conseguirei fazer, daqui a já tão poucas horas - nem vocês o conseguiriam ouvir, aposto...

sexta-feira, junho 17, 2005

É amanhã

Sim, estou quase na 'hora H', do lançamento do livro. Sim, estou contente e, sim, estou nervoso. "Tudo vai correr bem" - repetem-me, e eu repito para mim, acreditando, precisando de acreditar.
Bem, já chega de choradinhos, e vou repetir local e hora, o programa, tudo o que me lembrar:
- no Palácio das Galveias, ao Campo Pequeno, amanhã dia 18 e pelas 18 horas;
- a sessão inicia-se com o espectáculo de teatro do grupo de Almeirim "Narizes Perfeitos", e esse é o momento mágico;
- a apresentação é feita pelo Guilherme de Melo, nome grande das letras luso-moçambicanas que muito me honrou ao aceitar o meu convite;
- o lançamento do Xicuembo - book tem o apoio do Centro Cultural Luso Moçambicano e do pelouro da cultura da Cãmara Municipal de Almeirim;
- o lançamento está integrado no programa de eventos comemorativos dos 30 anos de independência de Moçambique, da Embaixada de Moçambique em Portugal.
Vem. Este livro nasceu neste mundo, o virtual. Vem, Amigo virtual; vem ver um sonho virtual ganhar cheiro de tinta, paginado, que sai deste mundo onde todos os sonhos são possíveis e, no real, uma mão não deixar de tremer um pouco ao assinar, zé-ninguém descoberto e revelado. Amanhã, no Galveias, às seis da tarde.
E uma nota a todos os que encomendaram o livro on-line: a editora contactou-me ontem por causa dessas encomendas. Houve um atraso da gráfica e só ontem os livros foram entregues; assim, optaram por não os enviar ainda esta semana, para não haver desencontros entre a recepção e o lançamento. Todos os que já encomendaram e forem ao lançamento, levamtam-no lá e cancela-se a encomenda. Os restantes recebe-lo-ão lá para segunda ou terça-feira próximas.

quinta-feira, junho 16, 2005

Meu masoquismo, minha sinecura intelectual

Sobre o Sonho. Amargo, realísticamente amargo, mas a memória do Sonho, essa, bem presente.
Obrigado Machado, há momentos em que faz bem ler coisas assim.

terça-feira, junho 14, 2005

O Mito e o Valor

Um testemunho. Impressionante.
E eu mais uma vez calo-me, só penso. Por respeito, por nem 'antes' nem 'depois' o ter bem compreendido pois havia o Mito que ofuscava. Havia sempre aquela sensação de profundo respeito pela firmeza das convicções para além das cada vez maiores comichões das discordâncias; que quero manter pois é privilégio ter vivido em época de Homem de tão grande Valor.
Há muitos anos que não me considero ideológicamente um 'comunista'. Na verdade, após o meu rompimento intelectual (e com afastamento físico) da revolução moçambicana liderada pela (então) maoísta Frelimo que as minhas pobres militâncias navegam em lagoas diversas, ribeirinhas àquele grande lago, mas por norma de parentela desavinda - e, tão revoltas e cegas são as águas que desse mar vermelho (me) caiem em ondas, que muitos dos seus navegantes até acusam a minha vela de preferências por más ventos. Só que, sempre, antes e agora, quando espraiava olhar para essas águas havia um vulto que sobressaía e eu respeitava. Ele. Pelas razões que são marteladas à náusea por tudo o que é pasquim nestes dois dias: a firmeza e a pureza ideológica, o despojamento pessoal, a coragem física quando ela foi necessária e era prova de fogo. Há o reverso, claro. A teimosia insensata, o culto da personalidade, a mão excessivamente de ferro, os tiques ditatoriais, afinal as comichões.
Leio o testemunho de quem fala com razão de ciência e tudo o que atrás referi, bom e mau, confirma-se. O Mito e o Valor. Memória a ambos.

segunda-feira, junho 13, 2005

Necrofagia política

Era uma vez um país que vilipendiava em vida os grandes Homens que tinha.
É agora um país que os entroniza enquanto mortos.
Apenas menoridade?

sábado, junho 11, 2005

Tremam, senhores dos anéis...

Ahamada
Amaral
Antchouet
Djurdjevic
Eliseu
Fábio Januário
Fábio Monteiro
Gaspar
Gonçalo Brandão
Jorge Tavares
José Pedro
Marco Aurélio
Meyong
Paulo Sérgio
Pedro Alves
Pelé
Ricardo Araújo
Rolando
Romeu
Ruben Amorim
Rui Ferreira
Sandro Gaúcho
Silas
Sousa
? + ?*
?**

* Éder e José António, são os nomes mais falados para as vagas de lateral-esquerdo e central
** fala-se em JVP assinar contrato com o Belenenses; se ao carácter pessoal torço o nariz e não é tipo com quem gostasse de tomar uma mera bica, quando tem as chuteiras calçadas alterna o bom com o sofrível e talvez (repito o talvez) ainda seja jogador útil para equipa sem stars nem orçamentos para elas. Preencha estes requisitos (repito os orçamentais) e será bem-vindo. Senão não faz falta nenhuma.

Perdi

Cheguei a Portugal dois meses após o ’25 de Novembro’ pelo que perdi as emoções do Verão Quente de 75. Na altura deste a minha bandeira era outra e acompanhava muito pela rama a política interna portuguesa. Utilizei o verbo “perder”, disse que perdi o viver da revolução. Porque, se cá estivesse, pelo que de mim então recordo, eu também teria gritado “força, força, companheiro Vasco!”.
Morreu hoje. Fisicamente, pois politicamente de há muito era cadáver, de si enquanto actor e, concordo hoje, da ideologia que nele sempre teve um fiel convicto. Há o hábito de bater palmas nos funerais, de agradecer na despedida os actos em vida e o engrandecimento colectivo que eles nos deram; no caso de Vasco Gonçalves será digno na sua hora de partida soar o “força, força, companheiro Vasco”, pelo tanto de Sonho Idealista que este grito comporta. Que eu perdi na altura em que deverá ter-me feito falta, que hoje evoco em memória e homenagem a um tempo em que era tão importante acreditar.
(daqui a trinta anos que recordações haverá, nos funerais de então? que gritos? ou só palmas protocolares, curricularmente correctas, vazias de paixão como estes tempos em que…?)

quinta-feira, junho 09, 2005

Pronto, confesso:

Que ando de candeias às avessas com o blogue, com os dias, as noites, o trabalho e, até, o ócio; e assim definhou o Xicuembo, mais um entre tantos blogues que vão nas modas e por elas se esvaziam.
O blogue é pessoal e é algo como um retrato rápido que se tira e se exibe, pergunto eu quem não ajeita o cabelo ou faz que sorri para a fotografia, adorna os pormenores e tenta do feio mostrar o bonito? Pois... a gaita é que o 'modelo' um dia terá de ter exposição pública.
- e hoje até a crónica do ALA está uma chachada, veio o calor e vem aí o fim de semana prolongado, dia onze vou à Barquinha e a catorze vou a Lisboa. Vazio
nada para contar, guardo tudo para mim e já não aponto nada, que se lixe o retrato, fecho-me na carapaça e chegou o calor, assim definhou um blogue, o raio do dedo picou o érre que depois apaguei, tinha ficado assim definhou um bloguer e estes descuidos são tão justos que até arrepiam.
olho o blogue como se não fosse meu, atrás disse o contrário mas eu só o fiz nascer, ele definhou porque medrou mal, é do tempo, olho para ele e quero distância, escrevo para mim, reservo-me, infelizmente até o ALA foi de férias e eu não posso lê-lo assim, a falar do Garrincha e do Benfica sabe-me a pouco quando espero pela sua crónica para ganhar ânimos.
Tanta parvoíce, vou trabalhar, até.

quarta-feira, junho 08, 2005

Sobre a remuneração do exercício de funções públicas, por exercício político

Das boas intenções já estamos todos magros, e estas contas complicadas que se fazem por uma Europa fora onde a súbita escassez de dinheiro fez as calculadoras políticas disparar, fazem-se é com os técnicos da maçaroca que são precisos como nunca. Reclama-se (para além dos maus resultados) quando não é do nosso clube, mas até quando o ‘nosso’ ganha as suas medidas acerca do pilim preocupam-nos a todos. São precisos técnicos que isto das contas vai mau e, qualquer dia, não haverá quem nos entenda na barafunda do meio da barraca que vai abaixo. Em toda a Europa, a quinze ou a vinte e cinco, de mais nenhum lado me soam gritos económicos mais aflitivos, tantos cortes sociais de emergência num tecido que já apresentava ar amarelado, fazendo desconfiar de muita coisa e hoje ainda sem revelar as maleitas todas – a febre amarela é uma entre muitas, incluindo doenças antigas e que não desaparecem.

A boa formação académica é fundamental num técnico, que, para o ser, terá de ser bem mais conhecedor que um entusiasta: há regras de mercados, há regras que são como a separação entre uma contra-ordenação e uma pena de prisão, dos pequenos falhanços que qualquer um comete quando se vê a braços com uma imensidão de problemas e já conhecido ‘cavar’ descaradamente, deixando uma pilha de buracos por resolver; temos estado muito mal servidos em eficiência, o que também se reflecte no ensino, lá para o pino as nossas Universidades que, é pelo menos minha ideia, perdem numa média de boa formação final, o nível médio dos que terminam os cursos não é alto – já era tão baixinho no acesso público, e com números negativos entra-se no privado em qualquer curso pois quanto mais turmas a funcionar melhor – regra de negócio.
Lá de fora leio ocasionalmente das suas crises mas com alguma inveja e disposto à troca, e falando nos estabelecimentos académicos a ideia que me fica é que os rigores para a obtenção de uma muito boa nota final são outros, maiores e de melhor qualidade avaliadora. Por outro lado complementar, a formação prática (que é recebida em curso que se preze, mesmo nos tradicionalmente ‘à secretária e a olhar para papéis’) é feita numa outra realidade administrativa e social, onde muitas das nossas carências crónicas estão domadas e com várias soluções exercitadas até encontrar-se um equilíbrio justo nas relações cidadão-estado. Por isto, os seus melhores alunos vêm acompanhada a parte final da formação por empresas interessadas em contratar a nata, e pagando muito bem por isso. Um licenciado com 18 ou 19 valores, escolhe o patrão e a cor do carro. Cá, com esses valores também arranja vida, mas se quer andar de Audi ou Bêéme assina letras como qualquer outro de peito feito por salário que ainda navegue sem grandes sobressaltos na crise; o seu carro de serviço é permanente notícia de jornal e é politicamente correcto em tempos de crise que baixe drasticamente a gama. Portanto, e ainda nesta dedução, os melhores técnicos ficam por lá, países onde se formaram academicamente e onde o seu exercício profissional é muito bem pago, e muitos dos de cá estão andam sempre de olho aberto para dar para lá o salto. Os melhores técnicos, a elite profissional de uma geração para cá, não trabalha em Portugal.

Não opino sobre a justiça do salário, isso é matéria exclusiva da relação e entre as partes há os acordos justos ao seu entendimento enquanto fruidores mútuos duma relação laboral. Claro que falo no conceito ideal, sem atritos na relação. Mas, para quem está a começar vida e tem as tais letras do Bêéme a pagar, mais isto e mais aquilo e sempre proporcional a um salário que sob nenhum conceito é mau, cá ou lá fora, se dentro da militância política surgir hipóteses de serviço público, o fascínio de tal tarefa não é imune às contas feitas pois, se bem intencionados como acreditamos e por isso neles votamos, nenhum o entenderá como biscate e sim como trabalho sério e para durar o tempo que a eficiência do seu trabalho demonstrar -. olhem os egos dos que a si próprios se rotulam de excelentes profissionais…
E, cá, estas contas andam a correr mal, e de há muito. Acho que um bom profissional deve ser bem pago, se a sua eficiência se reflecte no mercado e não nos vai aos bolsos, então deverá ganhar como um nabado, pois não há preço para quem nos alivie destes pesos colectivos nas costas e em direcção ao bolso de cada um. Não vejo um dos tais messias partidários que por aí anda, feito fantasma e a dar suspiros de D. Sebastião, oferecer-se para vir mostrar na prática e ao país, porque é que é tão bom que até nem se importa muito em, qualquer dia destes que acorde bem disposto e com muitos telefonemas, ser candidato a chefe da tribo. Oferecer a sua elevada capacidade ao serviço do País e para serviço mínimo de pegar os cornos duma dessas bestas que nos consomem a carteira e azedumam os dias.
Descendo na escala, para além da fauna da caça grossa há toda a de médio porte que com ela faz contas, tira médias e abana a cabeça, e isso do exercício de cargos políticos é rejeitado como hipótese para quando a reforma civil estiver mais ou menos assegurada; lá fora e principalmente no privado, a diferença salarial completa (‘alcavalas’ há em ambos os lados, mas até mais acessível no privado) é grande, e cada vez que estala uma crise ainda fica maior pelo tal princípio do politicamente correcto.

Daqui quero concluir este pensamento: se isto vai mal de contas e o dinheiro que damos já não chega, mesmo com os muitos €uros que sempre vão pingando lá de Bruxelas, também é muito porque os que se têm encarregue delas não têm feito trabalho capaz, tem-nos calhado refugo nos frutos da formação académica, dos tais técnicos de capacidade extra para tratar de situações muito complicadas, e com tantas vertentes a considerar como as que estão por detrás delas: todo um país; se assim o é está mal visto e quanto mais se reduz mais se desperdiça, pois estimula caçadores de anúncios e não sucessos profissionais. Ou a geriatria já bem de vida, e não disposta a ralar-se com muito mais que ociosos combates parlamentares.

E costumo pensar assim também num caso prático, sempre presente exposição que lhe confere a boa visibilidade duma companhia aérea: Fernando Pinto, na TAP. Há mais de um ano atrás falou-se que ganhava uns dezoito mil contos por mês, um balúrdio que também pela mesma medida classificava os descontos sócias efectuados. E não vi grande alarde, pois todos temos a nossa calculadora e ouvimos as desculpas quando o Estado nos vai mais um pouco à carteira, - sempre muito legalmente, claro. Pois a TAP que era um dos tais sorvedouros de dinheiro infindáveis que todos os políticos falavam quando nos comunicavam mais um assalto fiscal, e de há anos para cá e exactamente após a sua entrada, a TAP deixou de ser um poço sem fundo e, consta já há dois anos consecutivos, até dá lucro e já se atira para reforço do mercado pela aquisição do controle doutra companhia, em nada menos famosa e com longo historial: a Varig, como se tem lido, vai passar a informal subsidiária da TAP pois esta vai adquirir o controle do seu capital, que está excessivamente disperso e não obriga a contas para números perigosos para obter percentagem de controle.
Os negócios correram bem e ele fez bem o seu trabalho, ok, mas está bem pago demais, - dirá alguém? mas no princípio e quando o vermelho dos gráficos tinha uma tonalidade de desastre, nessa altura apanha com a crise de mercado pelo medo resultante do ’11 de Setembro’, depois e sempre em escalada os aumentos brutais de combustível, e, nestes últimos dois anos, a entrada das ‘lowcost’ no mercado português. E a TAP continua a dar lucro, é menos uma a pedir-nos sempre mais dinheiro para existir, e se era das glutonas a alimentar…
Fernando Pinto, em minha opinião, merece cada um dos dezasseis mil contos mensais que ganha, o seu trabalho paga-se a si próprio milhares de vezes e poupa-nos na escala dos milhões que somos. Parece-me ser a excepção em gestão de gigantes participados pelo Estado ou mesmo estatais, FP é um bom técnico mas não ouço falar noutros salários de tais números de aparência astronómica mas com, defendo, justiça retributiva pela eficiência demonstrada e pelos valores em causa.

A má remuneração da classe política, face à do exercício profissional a igual nível na sociedade comum, é faca de dois gumes, e há que ter cuidado para não piorar as feridas na ânsia de curar em passes de mágica e contas cheias de pontos de interrogação. Há cargos políticos onde a formação académica que dá os bons empregos é irrelevante, felizmente há outros valores, mas há cargos onde os que são precisos é a fina-flor dos técnicos, capazes de implementar cuidados e políticas, estas por fé mas aquelas por excepcional qualidade técnica. E receio que, se não houver prudência, a oferta ainda se perca mais na mesma massa que tem parido os incompetentes que têm gerido as nossas finanças públicas.
Haja prudência, não se transforme o exercício de funções públicas a alta nível de retribuição económica como aliciante só de ricos ou aos que ainda querem subir na vida.
Os ricos porque, afastando-nos a crise cada vez mais, ganham peso administrativo exagerado numa sociedade que reclama como solução a sua maior tributação fiscal.
Os com fortuna ainda por fazer mas com muita vontade de agarrarem-lhe a cauda, pela razão evidente do perigo de lhes passarem negócios de milhões alheios na ponta da esferográfica – a corrupção é tema de notícia recorrente.
- e que nunca lá caiam os tesos, os que encaram o exercício no Estado como oportunidade de resolverem défices.

Recusar como opção a carreira política com aplicação prática no exercício de funções públicas, porque a diferença salarial completa é abissal demais quando se ascende a cargos de topo que são também a realização profissional, o cimo da escada, é mau critério para quem o pratica mas é ainda pior para quem o força que, no desespero de tapar os buracos por onde se suspeita que o dinheiro desaparece, utiliza dedos em buraquitos que muita falta lhe fazem nos buracões, é uma selva de luta pelo pormenor que inviabiliza eternamente a reforma estrutural que vire o barril ao contrário, e alivie a sua carga nas costas de todos nós. Haja senso, não se transforme a carreira pública num exercício profissional de refugo, ocasional para a elite técnica e habitualmente frequentada por incompetentes para o tamanho das dificuldades práticas que encontram.

segunda-feira, junho 06, 2005

Diário dum Predador, digo, Pecador

O prometido é devido. Ontem à noite num dos sites luso-moçambicanos brinquei assim:
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Primeiro capítulo:
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Hoje acordei com a certeza que este é que era o dia, a boazona do 3º dtº vai deixar-se de fosquices no elevador e, finalmente, deixar-me entrar no seu Templo. Assim, após o longo banho de imersão em que repousei pele e músculos para lauta refrega, aparei bem as unhas dos pés para não haver incómodas lesões e rastos de mangussagem. Ao borrifar-me com 'Old Spice' e ao por pó-de-talco nas partes não deixei de sorrir e pensar que quem porfia sempre alcança, e se um rapaz não fizer pela vida não recolhe pérolas como aquelas que, sentia-o intimamente como certo, hoje cairiam ronronantes nos meus bronzeados e másculos braços. Enfim, a manhã prometia e foi com cara alegre que escolhi uma camisa de seda em tons azul-pastel que ia bem com a minha cor trigueira e com as novas jeans que comprei na boutique chinesa do bairro, onde há uns olhos amendoados que sorriem quando me vêem e, já reparara, olhavam-me disfarçada mas avaliadoramente quando me afasto. Oh, como é bom viver e ser por graça e vocação Mangusso!

Foi com tais felizes pensamentos e clara definição de prioridades e estratégias que desci à rua para o café e jornal da manhã, na pastelaria do sr. Inocêncio que tinha admitido recentemente uma empregada nova, ucraniana e lindíssima, a Ludmila. O travo amargo do primeiro café tem outro sabor quando os meus olhos se recreiam nessa paisagem, nos altaneiros montes que se adivinham sob as blusas apertadas que ela costuma usar. Dei por mim a sorrir de novo e a pensar que tinha de organizar melhor a minha vida social; não só comprar um 'organizer' e organizar-me, como ir à farmácia da Dr.ª Etelvina, a cinquentona que estava divorciada e ficava muito afoguedada quando me via passar e piscar-lhe o olho, para comprar um suplemento vitamínico face ao caderno de encargos em mãos. E mais uma grosa de borrachinhas, claro.

Ora bem, estou nestes encantadores pensamentos e quase que nem reparo na Jojó que vem no passeio de lá e, tendo-me visto, disfarça mal o percurso e atravessa a rua fazendo um taxista buzinar, e assobiar-lhe ao rabo depois. Esta Jojó... quando é que ela perceberá o conceito de 'one night stand' e deixa de me perseguir com aqueles olhos de carneiro mal morto, ansiosos por uma piscadela ou um convite para cear? bem, isto de ser o gajo mais 'bom' do bairro também tem ónus, e há os serviços mínimos a prestar á comunidade, vou anotar a Jojó para quarta ao fim da tarde, ela vai ficar radiante. Espero é que vá à depilação antes e comente à Micas que vai encontrar-se comigo. Ele, Micas, é muito criativa e para além das luas e estrelas que costuma desenhar a tesoura e lâmina, talvez por saudades duns tempos em fomos amigos muito mais íntimos que hoje, e como 'prenda' muito pessoal, às vezes obsequeia as nervosas clientes com criações artísticas de primeira água, murais de bom e ousado gosto nas virilhas. Quanto a Antonieta lá foi e chibou-se que andava a mandar-me olho gordo, ela, em bónus que muito apreciei, desenhou-lhe na zona púbica um vrum-vrum, e também por essa via foi uma tarde inteira de prego a fundo, olá se foi. Quem tem amigas assim está sempre safo, sorri para mim, e a Ludmila acorreu logo pensando, ingénuazinha querida, que era para ela. Bem, segui à minha vida pois, recordo a decisão, há uma agenda a respeitar.

Mais tarde, já passava das quatro da tarde, estava eu à coca na janela que a boazona do 3º Dtº aparecesse, eis senão quando toca a campainha e

(glup! e agora? quem será?)


Tony Yé-Yé, um parente do Frei, esse linotipista de emoções mui humanas
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Segundo capítulo:
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Daqui fala a Dª Floripes, do 2º Frente.

Isto é um escândalo, é pena nem haver um governo com jeitos que ponha este país na linha e, cá no prédio, um Administrador de Condomínio com eles no sítio e que acabe com este forrobodó do doido do 1º esqº. É que já nem durmo, nem a sesta nem a noite toda, com os barulhos que ouço - parece uma estrebaria com cavalos a relinchar. E logo a mim, que estou aposentada por problemas do psíquico, os nervos!
Nas escadas é vê-los aos risinhos, e já nem sei se elas não são piores que ele. No meu tempo, rapariga que fosse a casa de rapaz que mora sozinho, no dia seguinte trazia as malas pois o pai punha-a na rua. Hoje, agora, duma vez até eram duas que se cruzaram comigo lá à entrada do elevador, por sinal à loira até lhe conheço a cara de quando lavei as escadas do prédio onde mora o Sr. Dr. Fontoura, e as risadas que de lá ouvi não eram nada naturais, que coisa... Umas malucas, e ele é um desavergonhado que traz o bairro todo em reboliço: o rapaz é insaciável.
Uma vez contei ao colo do Font..., bem, uma vez contei ao Sr. Dr. o que se passava e ele deu-me toda a razão: já não há respeito, parecem animais e, muito provavelmente, na higiene deixam muito a desejar. Ele até me contou que, no tempo dele que também é o meu embora seja um bocado mais nova, um rapaz não se lavava só para ir às sortes ou ao médico, educadamente fazia-o antes de bailes, chás, gloriosos e inesquecíveis etecéteras. O bicho que vive aqui ao lado, esse que parece um daqueles lá das Africas, ouvi dizer no canal dos bichos que se chamam mangussos, o menino meu vizinho chega a 'atender' de manhã a que sobrou da noite anterior, toma banho e levanta-se mas daí a pouco já está deitado, agora com outra, antes de jantar faz uns telefonemas e à noite é outra, mas, que eu ouça, para além dos grunhidos e dos gritos animais que de lá soam, já só ouço água à correr quando está a preparar o esparguete. Ainda morava cá no prédio à pouco tempo e, uma vez, eu, tentando ser simpática e boa vizinha, bati-lhe à porta a oferecer serviços, simpatias, sei lá... Pois ele abriu-a com as baixas enroladas num lençol de cama, as altas à vista e, vi e reparei bem, com chupões, arranhadelas e até marcas de dentes no peito. Mesmo assim e nesta lástima, sorriu-me demais e nunca lá voltei, nem um bocadinho de sal, uma lata de salsichas ou uma folhinha de louro. Nada. O Sr. Dr. Fontoura é que, há dias atrás e reparando que eu trazia umas ligas novas, perguntou-me por ele, o bicho, e mostrou-se suspeitoso. E eu com esta doença de nervos, ai ai. Bem, contando o resto, como de manhã fui passear ao Colombo e fiz uma loucura, vou vestir aquela lingerie negra e até por um laçarote no cabelo, apertar no rouge e não me rogar ao batom. Bota alta e boquilha (esta nos chineses, a rapariga de lá parece que anda parva, aluada, ao olhar para as botas queria à viva força vender-me esporas e uma chibata, bem o raio do vizinho, hoje, já agora é só bater-lhe à porta, vai saber o que é bom para a tosse é um remédio tradicional e não estas anfetaminas escanzeladas que por aí andam, e vou ensinar-lhe o que fazer para gritar. Gritar a sério, nem nunca o Fon..., bem, dou-lhe uma esfrega que, nunca saiba o Sr. Dr. da Caixa! vai fazer-me melhor que uma caixa de Valiuns e meia de Prozacs, ai que eu vou-me a ele e...
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Terceiro capítulo:
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(14 horas depois)


Agente Esteves: - Parece homicídio. E violento!... Ó chefe, olhe para estas marcas aqui, nas partes... e ali, nas orelhas... coitado, deve ter sofrido tanto.... E olhava para o rotundo chefe, o inspector Gonçalo que, curvado, com a ponta da esferográfica tentava analisar o bocado de lingerie feminina que saía da boca do rapaz que tinha aparecido morto, e morrera com cara de parvo, todo mordido e cheio de nódoas negras, mas a boca aberta no que era um inegável sorriso de prazer no Adeus.

o Inspt. Gonçalo levantou-se e, virando-se para a porta para o Honorato que de lá tudo observava sem que o Esteves dele houvesse tido nota, e disse-lhe: - Tu sabias. Por causa dessa merda da tua zanga com a Dª Fidelina, não largas os fundilhos quando te cheira a desabrego sexual. Parece que os adivinhas. Mas o problema nem é por ti, que até és mais ou menos decente fora aquela parte que está lá no tal relatório que eu arquivei, bem, tu sabes. É por eles, olha o primeiro aí a chegar. Vai uma aposta?

E todos olharam para o elevador que nesse momento abria a porta, e donde saiu, exausto, o hábito coberto duma camada de suor manchando-o e tornando o ar mais dramático, aparece o Frei de olhos vidrados que passa pela cena do crime sem lhes ligar, e murmurando preces em voz alta, tremendo, toca a campainha da porta ao lado - mora lá uma velha de rolos na cabeça e que lava escadas, já tinha contado o Esteves, pressuroso. Todos ouvem-no invectivar em latim demónios, os punhos cerrados fustigando-se a si mesmo em fortes punhadas no peito, estamos todos de boca aberta a olhar para isto quando

vê-se uma mão entre rendas que o segura pelo peito da batina e puxa-o, ele vai penetrando no dossel, digo, por enquanto na sala, e nesse deslizar lento para s chamas vê-se a cara dele, de alucinado, de possesso, alma em sofrimento e deleite conjuntos, luta que umas rendas e mais algo, certamente doce, ajudam a decidir. Entretanto ouve-se um tropel nas escadas e chegam os outros todos, e o Inspct Gonçalo disse para o Esteves: - Isola a área e fiquem a guardar o corpo. Eu vou ali ao lado, pois não perco o espectáculo por nada deste mundo! E desapareceu.

John Russell Brown, Oxford Fellow
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Quarto capítulo:
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Querido Diário:

Vou ter com o Fontoura. Hoje sinto-me insaciável, e é o dia perfeito para lhe lavar bem os cantos. Até amanhã e beijitos...


Flô....
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Quinto capítulo:
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- Não há dúvida como este é o caso mais complicado que tive em mãos! Um sérial quiler! - Disse o Gonçalo, que já perdera a gravata desde que fora retirado, em custosos braços, do apartamento da desaparecido vizinha, ele muito lívido e mostrando-se depois amnésico sobre o que passara. - Desmaiei, não me lembro de nada!, os olhos com cara de maus amigos, sem permitir mais perguntas e abotoando a roupa toda desalinhada, sentado no corredor e quase tão morto como o outro, o do 1º Dtº.

depois veio a chamada pela rádio, da Central, ali a quarteirão e meio aparecera morta um tipo qualquer da alta, doutor, parece que tinha sido das políticas. No local depararam com um presunto no mesmo mau estado do outro, mordido e arranhado e com o sexo em carne viva e, ainda, a deitar uma ligeira coluna de fumo, tudo contribuía para a cara do Gonçalo e do Honorato, o Esteves ficara a guardar o Mangusso chupado até aos ossos que ficara na outra casa.

Entretanto, e porque tinha-lhe acabado a margarina, a Dª Edite disse ao marido que ia à loja ao lado e, quando passava por um vidrão, de lá saiu uma mão gigante e em plástico, como se fosse um cartoon, que a agarrou e levou-a lá para dentro, mais tarde numa greve que houve na Marinha Grande houve uns trabalhadores que decidiram improvisar ardores em inesperado dia de folga e, num canto do armazém, ao ajeitarem jeitos de forma mais confortável, duma pilha de paletes com garrafas novas que vieram na outra semana da fundição, ou lá como se chama aquela coisa em fogo onde fazem as garrafas, blá blá, e dizia se ainda me lembro (está a dar no Herman SIC uma gaja a mostrar as mamas. como é que um gajo pode pensar assim, escrever sem os dedos fugirem para texturas, volumes, sedas, excitações que tornam o belo e sedutor como irresistível e, em carícia prolongada, a mão percorre o contorno e vai subindo, sentindo o seu macio sorrindo, até que tocam a erecção dos mamilos, e eu ou desligo a tv e conto uma receita de culinária para fechar o policial, ou paro de escrever e aprendo espanhol!...
Vou pensar no assunto, até já.

Web
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Esclareço que fui dormir....

Coisas de azelha, sem bandeira preta

Esta ponte que o blogue me deu deveu-se mais a inabilidades próprias (minhas) que à mangussagem (dele) que já propagandeava aos ventos: ele não fugiu nem com uma marinheira nem com uma espanhola, simplesmente este nabo após ter feito alguma das suas invenções não clicou no 'republicar' e ele escondeu-se no limbo, quatro dias. Se só ou bem acompanhado, isso é conversa que ainda teremos, mas é coisa entre nós dois. Nestes dias de férias inesperadas acolhi-me com mais empenho nos sites MSN e até fiz por lá umas brincadeiras de que aqui darei fé. Coisas de mangussagem, essencialmente.
Entretanto recebi bastos mails apelando a, 10 de Junho, a febre bandeiral cair para o lado negro da coisa, bandeira negra como sinal de protesto. Ora, bandeiras negras, conheço duas e só uma é de protesto, a outra revela negro demais para ser outra coisa que um grito de desespero que, convenhamos, nem reconheço nem entendo como o caso nacional.
Na primeira versão aludo à bandeira anarquista, estandarte que prezo por razões muito pessoais e que têm a ver com o meu particular percurso de pensamento político, e houve uma altura em que essa bandeira era a minha. Hoje já não é, mas sei o suficiente de anarquismo ideológico para, intuitivamente, adivinhar que a brigada do bandeiral para o 10 de Junho quer é outra coisa, fico-me pelas ginjas.
Pelo outro: históricamente a bandeira negra representou casos extremos de carência, em vulgo cru Fome. Casa que a hasteasse reclamava apoio para alimento e não vejo esta sociedade de desperdícios e de supérfluos assim tão carenciada. Quantas arregimentações para o bandeiral programado estão a ser feitas por sms, telemóveis, adsl's e e-mails, etc, tanto que é supérfluo se a fome existir? todas, portanto não achincalhemos o que é muito sério, uma bandeira negra hasteada. E, felizmente, não é uma constante nacional, há casos de carências gritantes, sim, claro, mas não há Fome generalizada.
Post chato este, de regresso. Nunca gostei de exageros e, menos ainda, da baixa política e da sua mana muita puta, a populista demagogia.

sexta-feira, junho 03, 2005

Insurreição pessoal

Lembrei-me de deixar um apontamento por tudo o que é sítio, tipo um toque de despertar com ordem permanente para, na próxima vez, não me esquecer. Escolherei a cruz com o cuidado e interrogações habituais mas entrego o voto à urna de costas voltadas à sua soma, visualizar-se o que se está a tornar indiferente; há mais medos na escolha do que paixões e eis o mau sentimento do 'menos mau' instalado.
Dizer-lhos. No momento. Mas com o voto na mão, não vá as velhas paixões, afinal, estarem mesmo certas...

quinta-feira, junho 02, 2005

Dia

Uma criança que sorri, há algo mais belo que isso? Nem seio de mulher nem prato de chocolates em montra de pastelaria fina, nem uma nota de vinte que se encontra no bolso do casaso que vivia no fundo do guarda-fatos, ou mesmo um serviço grato. Uma criança sorri... e, nela e no brilho do seu sorriso, renasce em mim o dia em que também fui criança.
Uma criança que sorri é o meu Dia da Criança.

O regresso: nova versão


(alternativa a esta, e no seguimento dum ataque de melancolia que estava anunciado há bastante tempo)

O segundo choque foi o maior, e perdura há três dias num misto alcoolizado e alegremente irresponsável, em que os instantes que antes apelidaria de lúcidos são olhados como mosca, chata e a afugentar. Nas crises, naquela hora e meia em que acordo e penso nas necessidades básicas antes de me diluir no ventre que abri há três dias atrás, o meu sossego passa por saber que rebentaram-me as águas no Terceiro Mundo mas aqui é sul de África e não o caldeirão de Bagdade, que por certo trará melhores memórias aos sobreviventes que desaparecerem misteriosamente nos subúrbios da promoção turística do que as que ficarão desta festa louca em que mergulhei, e onde nado com prazer que de há muito nem suspeitava existir em proveito do, ora, próprio.

Logo ao chegar, ainda em pleno ar uma lágrima sentimentalmente ritual a espreitar, e depois o tal bafo quente de que todos falam como a primeira sensação física de conforto com o registo adormecido do passado. As escadas desceram-se na preocupação do degrau e do olhar bem o conjunto da gare, ler uma e duas e cinco vezes o nome do Aeroporto e os olhos passearem pela varanda melhor conhecida, em buscas de confirmações visuais que afastassem os temores congeminados nas longas horas de voo. Os últimos passos a descer do avião foram já enrolados na nuvem que mergulha num céu e numa terra beijadas, e os primeiros no cimento foram ‘históricos’ e assim sentidos, eu-pessoa sabia que os passos que dava eram irrepetíveis e muito importantes para o saco de recordações que eles transportavam, ossado já em fase de risco de validade e sedento do tónico duma caminhada com menos trinta anos. Depois veio o tal bafo, e as resistências do turista começaram a ceder dando vez a silêncios confortados, barriga tão cheia de coisas boas que apetece ronronar, feliz. Aquele ar denso e parado, quente, a cor do céu num azul mais suave que o do Norte, em excesso jurar-se-ia até sentir cheiros locais, exóticos mas não estranhos a uma memória que pulava de alegria.

Foi o primeiro choque, a chegada, e flutuei nele durante dois dias até conseguir escapulir-me ao circuito que os locais servem aos turistas saudosistas: ‘morei ali’, ‘ia tomar café acolá’, ‘Uma vez, ali…”, etc, etc. Logo à partida do aeroporto fiz declarada sugestão que foi aceite como excentricidade normal, e não foi dessa que fiquei a conhecer a avenida que vai de lá até ao antigo bairro da cooperativa, hoje porta normal da cidade para as asas que lá aterram. Viemos pela minha velha Avenida e a minha excitação foi grande ao chegar á zona onde morei, os olhos sequiosos de recordações, em busca de pormenores familiares e uma passagem que é sempre rápida demais em frente do prédio onde morei em parte da infância e um niquito da adolescência. Depois, mergulhamos na zona ‘bonita’ e ficou para trás durante dois dias inteiros essa parte da cidade e de mim. Fui ao longo da praia até ao sempre famoso restaurante que é uma instituição ritual, passeei pela baixa da cidade e foi-me apresentada a movida nocturna na tal variante que resulta do esforço que se faz em casa para dar o melhor sofá ao convidado, visitei na primeira noite três bares da moda, finda a ronda das pastelarias mais movimentadas, para longa digestão líquida da colecção de postais ilustrados adquirida e onde se incluem as faltas que eram apontadas com ironia pelos cicerones, sempre em busca do turista nostálgico que há em cada um que pisa o chão e sente o bafo quente, trinta anos depois. Depois fugi.

Saí do hotel cedo em busca de tudo e até de mais tempo para tanto ver. Fui andando, parei a ler os títulos dos jornais tentando perceber a vida da cidade que me era totalmente estranha mas onde os meus passos mergulharam após o café tomado no mais famoso do passado, figura de lei em qualquer colecção de memórias, mesmo para aqueles que não o frequentaram. O trânsito, grande mais um sossego comparado com o das capitais europeias onde o homem não vive sem essa pele metálica, armadura e penacho, serviço militar obrigatório e pavoneio social. Depois, no outro lado da rua subi e embrenhei-me nela, primeiro percorrendo o acesso à rua principal da cidade, a longa e larga avenida com seis faixas que ia dos bairros sempre chiques onde se namora a baía ao acordar até ao pulmão humano da cidade de cimento, a sua Alta e os quarteirões populares, e conforme os passos iam para lá seguindo ao longo da manhã que aquecia corpo e entusiasmos, mais o bafo tomou conta de mim. Na mesa da cervejaria, longe, muito longe, da mínima hipótese de conhecer ou ser reconhecido, longe o hotel e as voltinhas da saudade, tomei a decisão de penetrar no velho bairro de caniço, o tal da Avenida que vem do aeroporto desde a tal alta da cidade, hoje como antes cheia de camiões mas com o folclore dum mundo onde uma chapa com rodas é um meio de transporte e um cinto de segurança uma ideia muito engraçada, havemos de voltar a falar nisso um dia…

E conforme os pés cautelosos ganharam ritmo e venceram inseguranças, mergulhei nestes três dias que duram com o que chamarei noutro tempo de memórias de alucinação temerária, que é o de não saber quem fez a cama onde tenho dormido e, até já fiz amor. Eles têm nome mas troco-os, esqueço-me dos correctos e entre garrafas de cerveja importada e longos churrascos no quintal da casa em que a noite está cheia de ruídos ‘especiais’ para além das folhas da enorme mangueira que, no seu centro, abriga o céu o olha-nos, foliões, complacente, nesta festa permanente não Marias cujo sorriso não perdure para além da sua burocrática e familiar graça. Idem com eles, há uma camaradagem cúmplice, eles deliciados com o turista que apareceu e faz tudo ao contrário do convencional, ele bêbado de felicidade por estar nu e bem bebido, longe do Norte e, supõe e sonha como real, de toda a vida a pesar na ossada. Quando a festa onde penetrei, por arrasto do grupo com quem confraternizara no bar até ao estado eufórico do ‘vai mais uma’,quando os últimos grupos se formaram e fiz a piada da noite, indagando sobre onde poderia apanhar um ‘chapa’, quiçá um táxi, ela que estava com a sua pele quente colada à minha passou a sua língua pela minha orelha, lambeu-me desejos e segui os seus passos, mesmo hesitantes pelo escuro dos becos que afinal não eram tão familiares assim mas a mão dela e as minhas nela foram farol dos tais que cegam para além do seu brilho, e iluminam hesitações filosóficas.

Estou aqui há três dias e não sei se os cicerones me procuram ou se este é um comportamento percentualmente normal, e eles estarão crentes em como a promoção turística acabará e dirão adeus e um suspiro a mais um de olheiras e óculos escuros, satisfeito pelo seu safari ao passado. Daqui a quatro dias regressa a excursão e acaba a promoção, o quarto do hotel é dado a outroe avisam a polícia e o consulado de que um turista desapareceu. Lá no Norte é um escândalo e eu estar-me-ei nas tintas para isso, festa, ela sorri, lambe-me com uma carícia que não recordava nem poderia reconhecer na promoção e na voltinha turística. Agora vou até ao bar pelos becos que nunca conheci mas agora já familiares, conheço os cantos onde os cães mijam e já não os piso, e os meus passos são seguros por esta areia quente até daqui a cinco dias. Depois penso nisso, agora que descobri a fonte do bafo, quero banhar-me nela, frango assado e cerveja importada, gosto do azul suave do céu e da mangueira das noites no quintal. Até já ida-e-volta e mais sete dias em meia pensão, eu estou a gozar regime completo e gosto do fresco da língua do bafo quente.

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