Xicuembo (versão 3.0)
memórias & resmungos do Carlos Gil
segunda-feira, outubro 31, 2005
domingo, outubro 30, 2005
Protocolar
sábado, outubro 29, 2005
Adieu Mário Soares
À esquerda e à direita e em floridas razões (afinal o saudável polémico duma vida que não foi indiferente à História e ao que a rodeava), há olhares de receio excessivos, seja por dúvidas acerca da sua competência política activa para tempos que, suspeita-se colectivamente, não irão resultar em memórias particularmente felizes se tudo continuar a correr assim tão mal como estes últimos anos, seja por profundas divergências ideológicas ainda filhas daquele tempo que João Abel Manta tão bem caricaturou: Portugal no divã psiquiátrico, intrigante case study mundial. Há patologistas de sofá que persistem em atribuir a germes soaristas o estar hoje em maca e entubado.
Todos os políticos vivem curvas de ascensão de carreira, mais as outras, e neste momento Manuel Alegre só pode mesmo é escalar a onda de entusiasmo da sua candidatura, que promete transformar-se em acontecimento e lição política para serem futuramente recordados. Esta explosão de fé à revelia de seduções partidárias, anuncia escrever-se na História política do Portugal post-25 de Abril como muito mais que o acontecimento que o gerou. Há um surdo ‘chega, cuidado!’ neste anunciado voto independente em massa, coerente até nesse alvo indirecto.
A candidatura de Soares hesita em aceitar uma descida brusca ou uma mais suave à sua popularidade, e hesita porque nela se discutirão com afã cenários que contemplem uma humilhante derrota expressiva. O silêncio de ideias e de estratégias é sintomático, e só pode indiciar que estão ocupados a pensar e discutir alternativas, cenários enormes em possibilidade prática para poderem ser olhados levianamente.
Do outro lado, que tem candidato próprio e tão forte que até soa estar a sua unanimidade a impedir alguém de se oferecer para sua samarra e proteger-lhe os flancos, há ainda os muitos tantos que têm visíveis ataques de neura quando lhe ouvem o insigne nome.
Ou seja: por aqui ou por ali – e a ganhar, note-se!..., coisa que não há ninguém que meta muita fé na sua aposta, há sectores muito alargados que aceitam a contra-gosto Mário Soares como futuro Presidente da República, claramente de pé-atrás, e ao menor zum-zum escandaloso ou erro de avaliação política que aconteça estão psicologicamente formatados para elevar o bradar, reclamar por fogueiras políticas em prime-time público. A instabilidade e o descrédito instalados onde deveríamos ver segurança e prestígio. O mais desagradável ainda é pensar que, com boas falas e jeitinho, é bem possível aparecerem um dia destes inteligentes ideias a defender a pluridisciplinaridade das arenas e inerente regresso dos leões.
A retirada? nobre, terá sempre de assim ser; pelo seu currículo anti-ditatorial, antes e depois do 25A, pelo exercício de tantas e tão altas funções públicas, Mário Soares merece e exige um final de carreira política digno, cabendo à sua sagacidade política encontrar forma de minorar os estragos pessoais e partidários deste fazer em cima do joelho que é a sua atabalhoada candidatura presidencial’06.
O Partido Socialista não pode olhar esta fuga gigantesca do seu eleitorado tradicional como se não fosse nada com ele, muitos até com compromissos por filiação militante. A explosão de recusas à sua decisão política tem de ser lida, e é-o certamente, como influída em muito pela última das mágoas políticas de que foi padrinho, pai ou autor. O voto maioritário nacional, de Fevereiro deste ano, não será reeditado nas presidenciais se o canibalismo prosseguir. E o autismo. E os impúdicos esforços em sufocar a liberdade de voto.
Há candidatos que só o são para cumprir agenda política, Jerónimo e Louça. Mas há-os genuínos; os que se inscrevem à partida sonhando com um final que vá além duma vitória no bairro: Cavaco, Alegre e Soares concorrem para ganhar o 1º lugar. Mário Soares equipou-se para esses louros sem olhar atentamente em volta e, também, para si mesmo. Arrisca a maior humilhação da sua vida política, e recordemo-nos que ele tem azia às derrotas: foi preterido em Estrasburgo para Presidente do Parlamento Europeu e mostrou-se boçal no dichote despeitado que dirigiu à vencedora. Não acredito que alguns anos a mais lhe tenham injectado espírito olímpico suficiente para (já) saber lidar com elegância com a derrota pessoal. A continuar-se este erro político até à contagem de votos nas urnas, a sua candidatura a Belém só acarreará vencidos prontos a iniciarem guerras fratricidas. E potenciará a eleição do candidato Cavaco Silva.
A bem dum ideal de sociedade, dum projecto social que sirva de amparo quando a chuva cair em bátegas que nos encharcarão roupas e ossos até ao tutano, Mário Soares tem de renunciar à sua candidatura. Também por si, pelo respeito que ele, um dos patriarcas da nossa democracia, deve continuar a merecer-nos. Chamam-lhe ‘animal político’ e tem agora uma última oportunidade de demonstrar que a idade não lhe descuidou instintos nem nublou capacidades analíticas.
E nem precisa de fazê-lo com expressa indicação de voto. Os ainda seus vacilantes apoiantes sabem bem ler-se e, finalmente livres, também eles sorrirem, pública e Alegremente acreditarem que é possível eleger um novo Presidente, moldado na nossa comum exigência de mais cidadania e menos tecnocracia.
O Xicuembo errou
Na primeira interpretação à crítica confesso que não percebi a sua razão e essência, tendo-me até abespinhado com o que considerei de “excesso de legítima defesa”. Mais tarde vim a perceber a sua justiça, reforçada pela actualidade da recente ameaça apocalíptica anti-semita vociferada por (mais) um líder populista, radicalmente fundamentalista.
A minha utilização do adjectivo ‘somítico’, ou ‘semítico’, não foi feita com inspiração em pseudo características rácicas nem com a intenção de menorizar, assim ofendendo, qualquer povo, atribuindo-lhe comportamentos de grupo específicos, aqui com leitura de defeitos socialmente reprováveis aos olhos doutros povos com práticas diversas. Em concreto refiro-me ao povo judeu, a raça judia.
Nunca acreditei em ‘características’ próprias de raças que vão além das tipicidades culturais e das do meio ambiente em que se vive. Para mim é pacífico que um habitante entre trópicos exerça o seu viver de forma indolentemente mais suave que um nórdico, exemplo, por razões exclusivamente climatéricas. Acredito piamente que transplantado para região sua oposta, acontecem com naturalidade adaptações biológicas de ritmo. Que nada há de invulgar – e muito menos de redutor, nos confessos duma religião não comerem certos alimentos. Que é normal os adeptos do azul gostarem do azul, e os do lilás do lilás.
É o meio ambiente e cultural que gera as características de grupo e não quaisquer hipotéticos genes raciais, tribais. As diferenças apontadas como expressivos exemplos por defensores de tese contrária, têm sempre causas explicativas ligadas a hábitos culturais ou condições geográficas. Nunca olhei para o espelho preocupado com xenofobias ou racismos, e também não sou um chato purista que não sorria a uma anedota bem esgalhada que conviva sem mau gosto com a dupla necessidade de sermos capazes de rir com naturalidade, até de nós mesmos, e com o respeito que os outros nos merecem para também no-lo concederem.
Utilizei o ‘somítico’ para definir uma postura pessoal que em mim, ser individual, não reconheço: o do avaro, sovina, candidato a futuro residente mais rico do cemitério. Foi exclusivamente com esse alcance que a minha infelicidade adjectivante aconteceu, e não no de catalogar o povo judeu com isto ou aquilo. Fui leviano e errei de várias formas. Busquei o fácil sem cuidar que há palavras que têm cangas históricas que não se podem ignorar para poderem ser utilizadas responsavelmente. Dessa leveza de utilização nasceu a insensibilidade à colagem do descuido linguístico com a ameaça do incontinente presidente iraniano contra a existência física do Estado de Israel. Em importância de rodapé, ainda utilizei a corruptela da palavra original e não esta.
Há horas assim, é verdade.
Peço desculpas a quem leu e sentiu-se ofendido ou tão só incomodado. Reafirmo que a leviandade do adjectivo está inocente em segundas intenções, designadamente qualquer sentimento anti-semita e sua divulgação. Para além da curiosidade com os seus percursos históricos, no entrecruzar com outros povos, nada há na história particular de cada um que me gere juízos de valor que vão além de considerações sociais e políticas.
sexta-feira, outubro 28, 2005
Parker Rollerball
É como aquela história da garrafa de vinho: o tinteiro está meio cheio ou meio vazio conforme as sedes que o olham. Saliva-se pelo escândalo e por desancadela da grossa? compra-se o jornal 'a' e lê-se o cronista 'b', bebe-se de trago; mas se os lábios querem sentir um refresco que os humedeça, a língua enrolando-se nos sabores que apreende, aí folheiam-se as ponderadas páginas de 'c', e relêem-se calmamente as frases de 'd'. As necessidades são como as sedes, não são iguais.
Já agora os tinteiros. Olho com admiração e uma dorzita no meio do braço aqueles que os esvaziam num ápice, e tenho visões de armários repletos de frasquinhos coloridos, tinteiros, como se fossem a despensa dum guloso, atulhada de pacotes de bolachas, frascos de geleias, mimos e mimos insaciáveis. Imagino-lhes o olhar de prazer enquanto a pena corre em tropel, olho no nível que vai minguando – o tal sempre meio vazio, com o pensamento já fazendo linha para nova incursão ao infindável stock. Como será bela a liberdade do assim rico, senhor de armários cheios de tinteiros cheios, torneiras que abrem e deixam delas correr dilúvios em pena larga...
Não sou um forreta nem me acho um somítico*. Gasto pelo que tenho e preocupa-me o vazio da despensa, buscando consolo quiçá enganador no olhar romântico que troco com o meu tinteiro, a quem sempre acho porte de meio cheio. Aqui na casa gasta-se tinta, sim, é blogue de parcimónias mas tento evitar que a frugalidade deixe secar a tinta, aguadilha do tal sempre meio cheio e que num descuido e num ápice se evapora, passará a dar razão àqueles que o olhavam como meio vazio.
Na despensa, alinhados e com os rótulos à vista, sobre a folha velha de jornal que forra a prateleira, estão frascos cheios, enormes, daqueles de azeitonas, cheios até à borda – e daí a folha do jornal que protege a prateleira de derrames. Comi as azeitonas todas e, de tinta, há um leve cheiro no ar mas o vidro mostra a sua transparência nublada; por detrás dos rótulos, alinhados, dos frascos arrumados por feitios e por tamanhos, o olhar desfoca-se cada vez mais enquanto os trespassa e vai de um a outro, os vidros sobrepostos tornando-se lente, ampliação do nada, alinhado, vazio também em azeitonas.
Mas é conforme o ângulo em que se olha, tranquilizo-me: se me puser de esgelha para olhar o enfrascado recheio do armário, essa mesma lupa que antes agigantava os tinteiros semi vazios, agora inverte-se de função e resultado, diminui os caroços imaginários que pululam atrás dos vidros dos frascos alinhados, enche o seu aparente vazio de transparências consistentes.
É o meu olhar que favorece o ângulo? encho tinteiros com tintas que são invisíveis, excepto à mão que agarra a caneta e, sabendo-a laboriosa, solta ais de prazer na dor dos dedos que a seguram, o olhar distraído com o papel vincado em linhas incontáveis, ilegíveis caroços do nada? meio vazio, afinal, meio cheio, afinal?
Atrás, lá para o meio do até agora escrito, titulei o post de ‘Parker Rollerball’. Bonito, achei-o próprio e ali está. Agora, agora que a tinta séca e lê-se melhor o vácuo pelos vidros dos tinteiros, folhas guardadas na despensa sobre uma outra dum jornal velho, talvez o ‘a’ talvez o ‘c’ (quem saberá em que embrulho vêem as azeitonas?), talvez apenas a folha velha dum blogue, agora penso em mudar o título. As minhas hesitações. “A despensa”; “os tinteiros e os frascos de azeitonas”. O título é muito importante, como sabem. É o flash, a imagem. Agora que a tinta seca repesco uma frase do princípio, “é como aquela história da garrafa de vinho: o tinteiro está meio cheio ou meio vazio conforme as sedes que o olham”, olho a minha despensa e fecho-lhe a porta, levanto mais os olhos e gabo a sagacidade do título: uma rollerball não precisa de tinteiros, precisa sim é dum armário farto em frascos que estejam cheios – conforme o ângulo, vi-os assim mesmo ainda há pouco, estava o tinteiro hesitante entre verter-se na sua função ou tansmutar-se em caroços de azeitonas.
(fez-me particularmente bem este post, segredou-me o blogue)
Etiqueta
quarta-feira, outubro 26, 2005
"Mais cidadania, melhor democracia"
Espelho
segunda-feira, outubro 24, 2005
Resíduos
Sunset Coktail's
História 2
História 1
Espírito positivo
Ficção evolutiva?
domingo, outubro 23, 2005
Intimismo versus Machismo
A primeira vez que ouvi falar na nova moda da blogosfera, os blogues considerados intimistas, femininamente intimistas, foi em conversa com a IO e o C.S.A. Veio à mesa, patati patatá, e até fiz cara de caso quando houve arremedo de incluir o meu no grupo intimista; versão das pilinhas e não dos pipis, acrescentaram face à cara de desconsolo que me nasceu. Eu, que sou muito macho, mangusso e tudo, (post antigos é favor passarem o rato por cima do 'branco', para ficarem legíveis) fiquei a remoê-la e até andei a coscuvilhar os últimos posts na demanda de confissões íntimas, peregrinação infrutífera, claro está…. Para excomungar dúvidas escrevo este post a beber uma cerveja pelo gargalo, já ferrei um traque e, não tarda, dou um arroto; e só não ligo a sport tv porque não a tenho. Enfim, em desnorte de causa ainda me dá para ir lavar a Telma com o rádio bem alto no relato da bola, de olho no rabo de qualquer gaja que passe.
Eu ando cá mas não ando. Tenho uma coluna de links que parece a bicha nos correios para receber a reforma, mas ou é assunto que anda ausente naqueles que mais visito ou as minhas leituras andam imperdoavelmente distraídas com outros grandes temas da humanidade, patati patatá, e não me apercebo dos subtis sinais de estarmos em presença dum hit da moda. Mas hoje, ao visitar o caríssimo Eufigénio e ao por a sua leitura em dia, dou com o tema, linkado para exemplo, recomendado e tudo. Lá fui, pois além da curiosidade dali costumam vir bons links. Bem, que dizer? Primeiro que andei por lá meia-hora no mínimo – falando de blogues trata-se de valor de peso…, chamei a minha Webina para ler (ainda lá está...), e a seguir fui para o café matutar sobre as confissões & considerações em redor do mote, sobre o fascínio que as revelações da intimidade sexual exercem, principalmente ao outro sexo, ainda sobre as motivações que tanto podem atirar-se para o bem que faz à alma o escurinho do confessionário anónimo, como para hábil marketing em busca de share – quem não é vaidoso, quem não é? (estou cansado de meter links e está na hora de jantar, a que se segue café e treco-lareco longe do computador; por isso continuará depois)
sábado, outubro 22, 2005
Anais 2
quinta-feira, outubro 20, 2005
A pobreza em Portugal
O doloroso ruir dos mitos
A Candidatura de Manuel Alegre não pode deixar de lamentar a tentativa de aprisionamento do Partido Socialista face à Candidatura do Dr. Mário Soares.
Link a um Texto Maiúsculo
quarta-feira, outubro 19, 2005
O Natal olhado em Outubro
segunda-feira, outubro 17, 2005
A geração beat
sábado, outubro 15, 2005
Estrela de Belém
não nasceu um brilho que cegasse
ou Sol que iluminasse as trevas que deprimem:
as nuvens continuam.
Em cascata formou-se a Palavra
regou desejos áridos
leu-se promissória de alento
e Alegre irradiou a esperança.
Harry Porter
Foi lançado à meia-noite o último livro da série Harry Porter e, sabendo que perto de nós havia livrarias e hipers que abriam as portas propositadamente para esta mega campanha de marketing, fez-se esta surpresa à Carla, fiel apaixonada que é pela saga. Não só sabe tudo acerca dos heróis e vilões, via livros, como é feroz pesquisadora via net de tudo o que se relacione com o tema.
Cá em casa tenho-me furtado à leitura das aventuras do pequeno mágico com último recurso ao tal não irredutível e injustificável que o Pai usa quando os argumentos falecem perante a implacável lógica juvenil; então ela voltou baterias e seduções para a mãe, com uma variante que a desarmou do pouco tempo e paciência alegados: lê-los em voz alta, já estando assim aviados via oral dois volumes dos ainda não cinematografados, sendo a coitada poupada aos dois primeiros por já ter visto os filmes – sessão familiar diversas vezes repetida, claro está... Assim, enquanto os refogados apuram ou outros milagres da faina doméstica acontecem, a Carla lê em voz alta e a Paula não pode fazer que ouve e resmungar de vez em quando pois, para garantir que o acompanhamento da trama é seguido com a atenção que merece, há regulares sessões de perguntas sobre pormenores do lido... (ao que me tenho safo...)
Mas este apontamento não nasceu por ideia de retratar publicamente os rigores das leituras familiares sob a batuta do seu mais jovem membro. Para além de toda a publicidade que gira à volta de tudo o que traga a marca ‘Harry Porter’ há um facto que é indesmentível e que hoje presenciei para além do exemplo que temos em casa: a Rowlings pôs os putos a ler, quase um milagre quando o panorama de atracções e seduções está como sabemos. Às onze e meia seriam uns dez à porta da livraria, mas à meia-noite já eram não menos de trinta e, - vi-o pessoalmente, a maioria saía de lá de olhos cravados nas primeiras páginas, lendo em andamento e totalmente abstraídos a tudo o que os rodeava.
Na idade dela – nos nossos tempos... – os ‘Cinco’ eram o sucesso extra-quadradinhos e não existia nada que se parecesse com as campanhas publicitárias que hoje existem. Mesmo as adaptações para cinema passavam por obras mais clássicas, e destas recordo o terno ‘Oliver’ como exemplo master. Que me lembre nunca li o livro mas adorei o filme e quarenta anos depois estou a recordá-lo. Mas hoje lêem o livro e vêem o filme, e a seguir voltam ao papel para confirmar ou criticar a fidelidade da adaptação. Isto deve-se a ‘Harry Porter’, ou melhor à srª J. K. Rowlings. Crescerão e as suas leituras também.
Só por tal, pelos frutos que esta geração pode colher destes hábitos que pela sua criação literária adquiriu, ela merece todas as muitas libras que ganha. É sempre barato se pensarmos no que o sistema escolar, primeiro, e a sociedade adulta, a seguir, ganharam e ganharão com estes hábitos de leitura criados na boa idade para eles surgirem, ou não. Eu que era um descrente militante nesta faceta da sociedade futura, da próxima geração, hoje tenho razões para escrever uma palavra diferente, as letras juntas lêem-se e soam como esperança. Obra duma escritora, nosso prazer adicional.
sexta-feira, outubro 14, 2005
Imagens que não fenecem
Há momentos assim, blogar é um prazer.
quinta-feira, outubro 13, 2005
Eu, cronista
Iniciar a minha colaboração com uma crónica criada de raiz e sendo o primeiro texto o de introdução à coluna, entendi que me obrigava a algo semelhante ao que aqui estou a fazer, uma reflexão sobre a estreia. Ora isso não é matéria para lá, não me justifico ao leitor antes de ele me ler. A crónica, como género, tanto dá para resmungar sobre os engarrafamentos da vida ou espraiar-me sobre os peitos da vizinha, reflectir sobre um acontecimento que abala a sociedade ou simplesmente deixar a caneta correr sobre o que lhe apeteça: a inspiração do cronista é rainha e daquelas pré-constitucionais, as absolutistas.
O conto “a capulana e o mar”, numa coluna que se chamará ‘Letras do Índico’ (também não corri o suficiente para alterá-la para ‘letras de mim’, a solucionar) e apresentado como o primeiro texto do novel colunista, exibe um cordão umbilical de tamanho exagerado, e esta é afirmação com conta e peso pois, sem rejeitá-lo, afirmo que assim visto tem tamanho que não existe nem me é preciso. Orgulho-me do tanto que África e as suas memórias me deram e dão, e começando por esse que está aí em cima, à esquerda, onde cada página tem cheiro que não engana. Prescindo do excesso pois neste nosso recanto comum assento em raízes suficientes para afirmar-me pelo que sou e não pelo que fui, não sendo menor a ternura que me induz.
Sei que em tudo o que escrevi se lê um grito pela emancipação, agora afirmado sem embaraço e antes murmurado. Sei também que poderei parecer ingrato ou infiel, até contraditório por, com desejos emancipalistas tão fortes ao tema de génese, iniciar nova fase socorrendo-me de fórmula que sou o primeiro a declarar limitada, curta para como me leio hoje e quero ler-me amanhã. Entendo as carícias trocadas entre a capulana e o mar num enamoramento no embalo da maré, como texto de valor idêntico a outro em que as letras estremeçam no frio polar, ou hesitem nos passos e vírgulas pelas românticas esquinas duma velha cidade europeia. Texto, ficção, criação tão livre como é imenso e infindável o mundo para quem o escreve. E eu quero escrevê-lo, mas com África incluída. Porque não começar por ela, de novo? Afinal o romance das águas é universal, mas é lá que o seu beijo é mais quente...
A capulana enrolada quase no rabo, num nó ágil que desnuda segredos que as ondas beijam com lascívia. O vulto, dobrado, lenço na cabeça, blusa de chita e a capulana, que se destaca no mar agriculturado pela noite, prado de ondas e sabores salgados, que rompe, manso, contra a areia quente. As mãos seguem os olhos, argutos, que procuram búzios, conchas, os tesouros que as ondas dão à areia em fecundação que a faz brilhar ao sol quando o dia descobre o que a noite e as ondas deixam na praia para a seduzir.
Em volta dos joelhos a água remoinha e borbulha, os pés que se enterram devagar vão mudando o apoio ao sabor das mãos que recolhem as jóias do mar, e de que ele se despoja finda a noite que o veste em prata, para dançar o eterno namoro à areia da praia que o abraça, sequiosa dele mas talvez interesseira nas prendas com que o mar a seduz.
A capulana recebe o beijo e lá fica a sua marca, beijo húmido que lava pernas e panos, o corpo dela e a sua capulana, híbrido adorno que se cola às pernas como temeroso da água que a molha beijando-a, sempre mais e mais enquanto as mãos recolhem os búzios e as conchas, cada uma tão diferente... Por vezes o Sol no alto suspende-se e brilha com mais força quando o vulto se ergue e a mão eleva um dos tesouros e, à sua luz e brilho, há olhos que riem no prazer da beleza que descobriram, tesouros do mar que a capulana guardará. As conchas têm matizes radiantes e brilham mais intensamente contra o céu que mergulha no verde das águas e não esconde a beleza poisada na areia. Fora da sua prisão de água, à luz que cai em ondas de calor, as conchas e os búzios brilham de forma especial antes de mergulharem no segredo que o nó da capulana esconde. O nó, lasso, vai cedendo ao peso do pequeno saco que a capulana dobrada forma, e é reposto enquanto as águas, a maré que vai e vem, torneia-lhe as pernas magras mas robustas. Ritual colector, riqueza que a capulana conhece e conserva.
Ela comprara a capulana faria agora dois meses, quando vendera para o mercado a sorte dum dia às conchas que trouxeram um cesto de peixe, oferta dum pescador que ali aportara, o bojo da canoa cheio e muita vontade de partilha da sua fortuna com o vulto de capulana arregaçada que lhe fora farol enquanto as ondas o puxavam para a areia e, ao longe, lambiam de leve os panos e a moça que colhia as conchas como se de lagostas em ouro se tratasse.
Azul e com listas vermelhas, ao centro o mapa de mãe-África que lhe parecia enorme, tão grande como este mar que a molhava deixando rugas como se traçasse cadeias de montanhas onde aprendera que seriam terras de deserto, ocas de animais, verde, água, ocas desta África que ela conhecia e dava-lhe conchas e búzios. A capulana gostava de ir ao mar, dobrada em volta dos seus tesouros, molhada pela água excitantemente salgada, e gostava também da carícia da areia que as ondas alumiavam, das suaves ternuras e cócegas que as mãos dela lhe faziam, os dedos que faziam e refaziam o nó, quando a batiam e esfregavam para fazer sair a areia, já seca ao calor, do azul e do vermelho onde o contorno de África ganhava um tom especial sob o Sol que a aquecia após o beijo dele, o seu amante mar, dono das conchas e outros tesouros e que lhe os dava, malicioso e sedutor, para a seguir a beijar na sofreguidão das suas ondas que se erguiam, roçando as nádegas e molhando a capulana.
Esse mar que a lambia com prazer e volúpia, que por cada prenda que dava requisitava mil e um beijos e ternuras, ousado amante das listas vermelhas da capulana, da África que brilhava ao Sol e que tornava a espuma brilhante, quando a onda ia e ficava o vazio de mar. E os seus restos viviam na capulana, brilhante de molhada, enrugada no excesso de meiguice do abraço de paixão que recebera.
A dona da capulana e o pescador nunca se amaram assim, não há memória naquela praia de paixão tão intensa como a da capulana e do mar. Romance que se repetia sempre que o vulto, dobrado, lenço na cabeça e blusa de chita, a capulana azul com listas vermelhas dobrada quase até às nádegas, recebia os beijos do mar e as ondas gritavam o seu prazer quando a acariciavam e ela brilhava, as cores mais intensas que nunca o foram – nem quando nova, o remoinho nas pernas olhava fascinado aquele beijo e, em bolhinhas corria atrás da onda que investia na areia, quente, solo nupcial dos ardores por conchas, búzios e outras carícias, da capulana e do mar.
Consta na praia que, um dia, na areia quente, o pescador afortunado e a moça dos búzios e das conchas deram um beijo mas dele não teve ciúmes o mar, pois ele amava era a capulana.
quarta-feira, outubro 12, 2005
Não sei
Ora eu não ando em maré de desabafos. Nervoso com muita coisa, preocupado com o serviço que cada vez é mais que muito e com o tempo mais se atrasa, desiludido de algumas ilusões, ando há bastante tempo fechado em mim e, creio, assim continuarei. Quanto tempo mais, não sei. Até as leituras na net foram reduzidas a mínimos que eram impensáveis, uma voltinha por blogues amigos em que a saudade se mistura com a vergonha deste silêncio, umas espreitadelas aos Grupos MSN mas sem nenhum ânimo para participar para além das leituras furtivas dalgumas mensagens seleccionadas de forma avara. É o limbo, não é um hipotético ‘regresso’ ao mundo não virtual que continuo a olhar com o receio de quem nele se sente um estranho após tanta ausência, e sem saudades... No tempo em frente ao computador, ainda a maior parcela do meu dia útil, divido-o entre odiados requerimentos e uma furiosa recolha de fotos de carros via motores de busca e outras artimanhas que nestes (largos) meses descobri. Há pouco pedi a informação do tamanho do arquivo e deu assim: 143.582 ficheiros (leia-se fotos), em 10.629 pastas (leia-se arquivos rotulados), que ocupam 64,0 GB de espaço no disco rígido. Insanidade, obsessão, criancice – ‘hobby’ já é palavra curta. No lugar de escrever, criar, no lugar de conviver, viver. Um limbo que se sonha construído como o maior museu virtual automóvel, a minha evasão e refúgio, a minha negação à realidade.
Às vezes penso fazer como outros e fechar a loja, possivelmente para abri-la noutro link-local e procurando no anonimato o prazer que aqui já tive e que perdi. Porque, repito, continuo a gostar de escrever e quando faço um texto íntimo nasce-me um prazer físico como se fosse um exibicionista de sentimentos e intimidades, precisando de adivinhar a existência de público para me sentir realizado. Não sei, não sei que volta levará este blogue. Também se pode tomar como bem possível que amanhã, ou não, escreva três posts seguidos, ou não, coisa mui humorada e mui inteligente, ou talvez até não.
(o Word diz-me que esta é a 37ª linha, estou contente e não vou abusar. Até já, até logo, a gente vê-se)
domingo, outubro 09, 2005
A noite das Autárquicas
quinta-feira, outubro 06, 2005
Mais uma botelha para a mesa
quarta-feira, outubro 05, 2005
Contornos Acidentais
É sem esforço de memória que agora ‘leio’ a minha, a favorita por aquela que mais uso pois é a que me conduz ao café, ao tabaco e ao jornal. É banal, sem nada de especial, olá vizinha, um banco de jardim abandonado no passeio, o mesmo anúncio de ‘vende-se ou trespassa-se’ que amarelece na porta desde que o consultório médico com exames de raio-x fechou, talvez já há mais de um ano. Antes era um corrupio de velhotes que aí madrugavam, o banco no passeio sempre ocupado, os táxis estacionados com os motoristas a lerem jornais de futebol e a dormitarem enquanto os clientes fazem o seu rx às dores, olá vizinha então isso vai melhor ou não. As maleitas adivinhavam-se nas conversas que se ouviam quando se contornava a esquina, eles naquele seu lazer conversado de doente que partilha dores e doenças, troca de cromos de dores velhas, sempre na dúvida de se não se será o mais enfermo da freguesia: ‘tenho uma hérnia discal, e você? ‘
Hoje passam lá os sãos, somos todos sãos desde que o raios-x fechou. Esta semana morreu o Anselmo mas ele não era cliente do raios-x; virava a esquina, a nossa esquina, e nunca se deteve nela a caminho do café e do jornal, foi noutra esquina que se deteve e por lá amansou, lá ficou e ficará no seu eterno azul belenense, no seu gosto pela pesca de rio e pelas intermináveis conversas à volta do cálice de ‘meia de 1920’ que era meia infindável nas lazentas tardes da reforma. No café conversa-se de intriguinhas e dos fait divers que se ouvem nos cafés, vivó Benfica e afins, coisas de vida mas não de doenças, trespassa-se ou arrenda-se, corta-se na casaca de tantos e bate-se no governo, mas as doenças, essas, abalaram e na minha esquina ficou o trespasse, deserto, o número de telefone que ainda não teve o trim que dará nova vida, novas doenças, à minha esquina, esquina do Anselmo também.
E eu contorno-a, pé ligeiro e reza nos lábios pois saudades, saudades, só tenho de gente no banco e dos carros de praça, dos seus rádios que contornavam a esquina com as notícias e os hits, olá vizinha, todos atrás de mim no meu vai e vem. Vou ali e já venho, quem sabe quem encontrarei na minha esquina, talvez veja o Anselmo quem sabe, talvez aceite beber com ele meia de mil nove e vinte, saudades que ficam numa esquina que é tão anónima como eu e o Anselmo o somos para quem dela nada mais conhece que as doenças que já ali não moram. Tanto que se fala nas esquinas da vida, nas esquinas disto e daquilo, que hoje apeteceu-me falar na esquina do raios-x, que o meu vizinho Anselmo já não dobra.